Análise: É preciso olhar para todos os elos da cadeia do excesso de cesáreas
Por Cláudia Collucci.
As propostas da ANS para incentivar os partos normais pelos planos de saúde só tocam a ponta do iceberg.
São necessárias mudanças mais profundas para reverter a “epidemia de cesáreas”, iniciada a partir da década de 1970, quando o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) determinou que o médico só receberia se participasse efetivamente do parto.
Naquela época, era comum a obstetriz fazer o parto, sob supervisão do obstetra. Ele só assumia se houvesse alguma intercorrência, como ocorre até hoje em países europeus.
Depois, com a expansão do mercado de planos de saúde, falhas na regulação permitiram que a remuneração dos dois tipos de partos fosse muito parecida. Os médicos passaram a preferir cesariana, que pode ser programada e demora um quarto do tempo do parto normal.
Ao mesmo tempo, o aprendizado do parto normal foi perdendo força nas escolas de medicina. Hoje, até mesmo na residência em obstetrícia é mais comum o médico aprender a fazer cesárea do que parto normal.
Fenômeno parecido acontece em muitos hospitais, que não têm equipes obstétricas completas e treinadas para fazer o parto normal. Não é incomum a gestante chegar ao hospital e não encontrar um anestesista, por exemplo.
Também há cada vez menos maternidades e vagas na área da obstetrícia. Então, para garantir vaga em um hospital privado, o jeito mais fácil é agendar a cesárea.
Há ainda uma cultura que se criou no país de que o mesmo médico que fez o pré-natal deva fazer o parto. Em países como Bélgica e Holanda, com altas taxas de parto normal, isso não acontece.
Em 2009, a ANS propôs que os hospitais tivessem equipes de plantão para acompanhar as primeiras horas do trabalho de parto.
O obstetra seria acionado só quando o nascimento estivesse próximo. Também estudava a adoção do cartão da gestante e do partograma. Nada evoluiu desde então.
É importante que a ANS aperte o cerco contra médicos que abusam das cesáreas. Mas é desejável que olhe para os outros elos dessa cadeia que faz o país ostentar o nada honroso título de campeão mundial de cesarianas.
Fonte: Folha de São Paulo