Igualdade na saúde
Por Redação Região e Redes.
Sara Willems, professora do Departamento de Medicina da Família e Atenção Primária à Saúde na Universidade de Ghent, na Bélgica, estará em São Paulo entre 9 e 11 de dezembro participando do Seminário “Qualidade e custos da atenção primária à saúde” promovido pelo departamento de pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Primeira professora da Bélgica no campo da equidade em saúde, em entrevista à Região e Redes, feita por e-mail, ela descreve o modelo de atenção primária à saúde (APS) adotado nos países europeus e confirma: “Um sistema forte de APS melhora os resultados na saúde da população a custos baixos”. Mas, a implementação de uma boa APS exige tempo e dedicação.
Inscreva-se aqui para o seminário “Qualidade e custos da atenção primária à saúde”.
Região e Redes – Qual o entendimento do conceito de Atenção Primária à Saúde (APS) na Bélgica em particular, e na Europa em geral?
Sara Willems – Não existe algo como “atenção primária à saúde europeia”. A interpretação de atenção primária varia de um país para outro. No entanto, teoricamente, é possível apontar três fatores fundamentais que caracterizam a APS na maioria dos países europeus. Primeiro, como tratam as necessidades dos pacientes no contexto de suas famílias e comunidade, os médicos de família europeus geralmente atuam no âmbito da atenção primária local, usando uma abordagem multidisciplinar. Além disso, na Europa os médicos dão ênfase à centralidade do paciente, com especial atenção aos grupos mais vulneráveis da sociedade. A última característica da APS na Europa é sua função de orientar o acesso do paciente pelo sistema de saúde. Uma gama diferenciada de problemas é apresentada no nível da atenção primária, enquanto a assistência especializada oferece serviços fragmentados. Por isso, os médicos de família ajudam os pacientes a “navegar” pelo sistema de saúde. Os médicos de família, em alguns países europeus, são como uma espécie de cão de guarda. Ficam responsáveis por esse encaminhamento mais eficiente sob condições adequadas e seguras.
Evidências científicas disponíveis atestam que uma atenção primária forte produz melhores resultados de saúde a custos mais baixos. Com isso, a saúde da população pode melhorar bastante. Mas, assim como “Roma não foi construída em um dia”, também os cuidados primários não surgem espontaneamente. Ao contrário, exigem condições adequadas no âmbito do sistema de saúde. Em toda a Europa, e também na Bélgica, o fortalecimento da atenção primária é um processo contínuo.
RR – Existem diferentes modelos de APS nos diferentes países europeus? Quais têm se mostrado mais efetivos? Comente por favor.
SW – As evidências dividem os modelos europeus de atenção à saúde segundo duas características: tipos de sistemas e financiamento do sistema.
Na primeira, os modelos europeus de saúde foram divididos (por Jeremy Hurst, em 1991) em 7 grupos de acordo com o tipo de sistema. Por essa enumeração, os três sistemas dominantes na Europa são o (i) modelo de reembolso público, como o da Bélgica e da França, (ii) o modelo de contrato público e (iii) o modelo integrado público, como o da Espanha e o dos hospitais públicos no Reino Unido.
Na segunda, os modelos de cuidados de saúde podem ser divididos em dois tipos de financiamento diferentes: (i) o modelo de Bismarck e (ii) o modelo de Beveridge. Pelo modelo de Bismarck, também conhecido como o sistema baseado segurança social, os cuidados de saúde são financiados por contribuições dos trabalhadores. Enquanto no modelo de Beveridge, também conhecido como o sistema nacional de saúde, os cuidados são financiados pelo governo federal e cobrem toda a população.
Atualmente, com o fortalecimento contínuo da atenção primária na Europa, nós não vemos esses diferentes modelos em sua forma pura. Os países combinam diferentes características dos diferentes modelos na tentativa de desenvolver uma atenção primária mais abrangente.
RR – Como se tem pensando o futuro da APS e dos sistemas de saúde na Bélgica e na Europa?
SW – Na última década, os sistemas de saúde europeus têm enfrentado crescentes desafios. Os mais notáveis são:
- O envelhecimento da população e como consequência o aumento de doenças crônicas e multimorbidade.
- Um maior conhecimento das opções dentro dos sistemas de saúde; e estilos de vida pouco saudáveis.
- Ambos os desafios acima levam a uma crescente demanda por cuidados com a saúde e, consequentemente, o aumento dos custos.
- As crescentes desigualdades de saúde e de acesso aos cuidados com a saúde, dentro e entre os países.
- Escassez e distribuição desigual de profissionais de saúde.
Estes desafios parecem ainda mais impressionantes em face de uma série de tendências recentes que irão moldar o futuro dos sistemas de saúde europeus.
Um número crescente de países europeus terá de lidar com o aumento dos gastos com saúde por várias razões. As mais importantes delas são o envelhecimento da população e o aumento da procura por cuidados de saúde, como indicado acima. No entanto, como os custos aumentam, será mais difícil manter o modelo de cuidados com a saúde universal predominante.
Se os países quiserem mantê-lo, será necessário racionar os serviços e consolidar novas unidades de saúde. Por isso, a APS tem tido um lugar de maior destaque no sistema de saúde, com médicos generalistas atuando como guardiões para o sistema. Também será preciso mais atenção às medidas preventivas e à promoção de estilos de vida saudáveis.
Grande parte dessas preocupações já está apontada no plano decenal da União Europeia, (Europe 2020), onde a saúde e a atenção primária à saúde garantiram posição de destaque.
Para resumir: os países terão de se adaptar para preservar a alta qualidade do atendimento. Essa adaptação dependerá da maneira como vão lidar com os desafios apresentados acima, mantendo a sustentabilidade de seus custos efetivos e fiscais.
Fontes:
1. European Commission: Health strategy(n.d). Retrieved November 19 2014.
2. Economist Intelligence Unit: The future of health care in Europe (2011). Retrieved November 19 2014.
RR – Comente, por favor, os objetivos gerais e resultados preliminares do estudo QUALICOPC
SW – O estudo QUALICOPC (Qualidade e Custos dos Cuidados Primários na Europa) tem como objetivo analisar e comparar os sistemas de atendimento da atenção primária à saúde em 35 países (na Europa) em termos de qualidade, equidade e custos. O estudo desenvolveu diferentes questionários que permitem mensurar organização, operação e resultados dos cuidados primários.
Enfim, o principal objetivo é fornecer uma resposta às perguntas: em que resultam os sistemas de APS e quais os seus efeitos no desempenho dos sistemas de saúde? Mas também mostrar quais configurações de cuidados de saúde primários estão associadas aos melhores resultados.
Mais especificamente os seguintes temas são estudados de forma intensiva:
- Estruturas de cuidados primários e resultados relacionados à hospitalização evitável.
- A estrutura da atenção primária relacionada à qualidade da prestação de serviços.
- A estrutura e o processo da atenção primária relacionados aos resultados percebidos pelos pacientes.
- A estrutura e processo de qualidade da atenção primária relacionados aos custos.
- A estrutura da atenção primária relacionada ao acesso e à equidade.
- Boas práticas na atenção primária integrada na Europa (abrange outras associações).
A fim de manter a objetividade, os resultados preliminares seguirão a estrutura do estudo e serão divididos em três categorias: qualidade, custos e equidade.
Quanto à qualidade, olharemos a propensão dos pacientes em procurar atendimento e em que medida estamos lidando com hospitalizações evitáveis. Vamos também tentar identificar tipos de práticas semelhantes em toda a Europa, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, e quais podem aumentar o acesso aos cuidados primários.
Com relação ao tema dos custos, vamos descrever as diferenças sociais dentro do adiamento, pelos usuários, da procura por serviços de APS (prestados por médicos da família), por motivos financeiros, e a associação entre o adiamento dos serviços primários e o impacto e eficiência do sistema APS.
Finalmente, em equidade vamos focalizar a discriminação e as diferenças sociais que poderão ser encontradas em prevalecendo a discriminação.
Fonte: Região e Redes