Justiça manda Saúde pagar remédios em falta
Os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos comprados por ordem de juízes subiram de R$ 2,5 milhões em 2005 para uma previsão de até R$ 150 milhões em 2009 – um salto de 3.675%, alimentado pelas falhas na assistência ao cidadão e pela pressão da indústria farmacêutica sobre pacientes.
BELO HORIZONTE. Desesperada com a evolução de uma cirrose, a copeira Eva Martins da Silva, de 51 anos, teme morrer e deixar a filha de 14 anos. Receita médica em mãos, recorreu a um defensor público na esperança de que a Justiça lhe assegure o medicamento que não cabe no seu orçamento e foi negado na farmácia pública.
Brasileiros dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS) estão virando clientes dos tribunais, fenômeno que avança em proporções geométricas e já impacta as contas dos governos.Em quatro anos, os gastos do Ministério da Saúde com remédios comprados por ordem de juízes cresceram 3.675%, alimentados pelas falhas na assistência ao cidadão e pelo lobby da indústria farmacêutica sobre médicos e pacientes.
As sentenças custaram ao ministério R$ 2,5 milhões em 2005. Este ano, o valor era de R$ 94,38 milhões em outubro e, numa previsão oficial, deve atingir os R$ 150 milhões em dezembro. Somadas despesas de estados e municípios, a conta deve fechar o ano em R$ 1 bilhão, 15% do que o SUS tem para remédios e vacinas em 2009. Só em Minas, a Secretaria de Estado de Saúde desembolsou R$ 28,6 milhões até outubro e, em 2008, R$ 42,5 milhões, 260 vezes mais do que se gastava em 2002.
— Os papéis estão trocados. O que o governo não faz, a Justiça faz — diz Eva, cujo tratamento custa R$ 440 por mês, para uma renda de R$ 650.
“A judicialização da saúde cobre vazios de assistência”
Atualmente, há milhares de ações em tramitação. Os juízes têm concedido liminares, bastando anexar aos autos às receitas. O subfinanciamento do SUS abre espaço para o processo avançar. Países como os Estados Unidos aplicam 20% do orçamento da área em medicamentos, ante 12% no Brasil. Os pacientes pedem na Justiça remédios de alto custo ou para doenças raras, cuja lista no SUS é restrita e defasada: em 2002, tinha 101 fármacos e, desde então, só ganhou seis.
— A “judicialização” da saúde vem cobrir vazios de assistência. Há um grupo de doenças que não tem protocolo para tratamento no ministério. A lista deveria passar por revisões periódicas. E faltam regras claras para a incorporação de novos produtos — diz a economista Iola Gurgel, professora da UFMG.
Ela explica que o cidadão está em busca de um direito, mas também perde com o processo. Por falta de um sistema que avalie os lançamentos da indústria, incorporando ao SUS o que traz vantagens, não raro a corrida aos tribunais serve para aumentar a lucratividade de laboratórios. Na Inglaterra, o trabalho é de institutos do governo. No Brasil, médicos e associações de pacientes são bombardeados por propaganda de multinacionais. É comum o doente requerer na Justiça medicamentos de grife, com similares da lista do SUS.
Análise da UFMG sobre 1.429 das seis mil ações contra a Secretaria de Saúde de Minas desde 2000 mostrou que todos os 2.393 medicamentos solicitados tinham princípio ativo presente na lista do ministério. Em alguns casos, o paciente vai direto à Justiça, sem passar pelo SUS, para ter garantia do recebimento. Em outros, o remédio está em falta nas unidades de saúde. O estudo mostrou que há uma rede estruturada para processar o SUS. Em 12% dos processos, figuravam apenas quatro advogados. Um só médico aparecia em 28 ações. Nos autos, os pacientes pediam até 34 fármacos.
Fonte:
Fábio Fabrini
O Globo