DRU é desnecessária para fazer superávit

 

Valor Econômico – 11/11/2011

A desvinculação de 20% das receitas da União – mecanismo fiscal conhecido como DRU, que o governo luta para que o Congresso Nacional renove pela sexta vez consecutiva – ainda é necessária? Um recente estudo feito pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados mostra que o governo não precisa da DRU para obter a meta de superávit primário de 2012. Segundo o estudo, dos consultores José Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura, os recursos desvinculados pela DRU terminam retornando para as mesmas áreas de onde eles foram retirados porque elas são, atualmente, deficitárias.
Quando foi criado, há 18 anos, com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), o mecanismo da desvinculação das receitas foi fundamental para garantir o fechamento das contas públicas e o cumprimento das metas fiscais. Naquela época, a seguridade social era superavitária, ou seja, as receitas eram bem maiores que as despesas. O governo precisava, portanto, desvincular as receitas das contribuições sociais para conseguir transferir a “sobra” de recursos para cobrir outras despesas e para fazer o superávit primário.

A desvinculação atingia também outras áreas sociais, como, por exemplo, a da educação, que está vinculada aos impostos federais. Por isso, o governo encaminhou proposta de emenda constitucional propondo a desvinculação das receitas. Essa realidade mudou a partir de 2009, quando as receitas das contribuições sociais passaram a não ser suficientes para financiar a seguridade (incluindo os benefícios pagos aos servidores civis e militares aposentados e pensionistas). O Tesouro foi obrigado a transferir recursos livres para fechar o buraco.

Para 2012, a situação é a seguinte: a desvinculação de contribuições sociais que se destinariam à seguridade social será de R$ 53,9 bilhões. Por outro lado, a proposta orçamentária para o próximo ano prevê que o orçamento fiscal (entenda-se, o Tesouro Nacional) irá transferir R$ 66 bilhões para a seguridade social (nesse montante estão incluídos recursos livres e os valores desvinculados de contribuições sociais). Ou seja, o Tesouro Nacional vai transferir para a área de seguridade social (entendida no conceito mais amplo, com os benefícios pagos a servidores aposentados e pensionistas) R$ 12 bilhões a mais do que vai obter com a DRU sobre as contribuições sociais. Os dados são do estudo da Câmara.

Desde março de 1994, quando a emenda constitucional de revisão número 1 criou o FSE, a cada renovação do mecanismo de desvinculação de receitas, o Congresso consegue excluir algo da desvinculação. O FSE mudou de nome e virou o Fundo de Estabilidade Fiscal (FEF) e, posteriormente, Desvinculação das Receitas da União (DRU). A primeira exclusão atendeu os Estados e municípios, pois as transferências para os entes da federação passaram a ser feitas antes da desvinculação (menos a Cide-combustíveis).

Em 1998, a desvinculação deixou de incidir sobre as contribuições de empregados e empresários para o INSS, assim como sobre a receita da contribuição para o plano de seguridade social do servidor. Em seguida, o salário-educação foi poupado. A partir de 2009, a DRU foi, progressivamente, deixando de penalizar a área de educação. No próximo ano, por exemplo, o governo terá que aplicar 18% das receitas com o Imposto de Renda para a educação, sem qualquer desvinculação.

Com a Emenda 29/2000, os recursos para a área de saúde passaram a aumentar anualmente de acordo com o crescimento nominal do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, independentemente da DRU. Por causa das seguidas exclusões, o deputado Odair Cunha (PT-MG), relator na Câmara da proposta de renovação da DRU, estimou, em seu parecer, que o montante desvinculado caiu de 26% da receita líquida da União em 1995 para 11% agora.

Como o Tesouro Nacional termina por transferir até mais recursos para as áreas de onde tira receita com a DRU, o estudo da Consultoria da Câmara considera que o governo só perderia R$ 570,5 milhões da receita da Cide-combustíveis transferida para os governos estaduais, se o mecanismo da desvinculação não for renovado pelo Congresso.

Mas não é somente a questão fiscal que precisa ser considerada. O Orçamento da União hoje é altamente engessado, pois 82% das receitas são vinculadas, ou seja, os recursos precisam ser gastos em áreas específicas definidas por preceitos constitucionais ou legais. Quando se acrescenta as despesas obrigatórias, o nível de rigidez orçamentária sobe para 90% da receita corrente. A margem livre que o administrador público tem para realizar as prioridades do governo é muito estreita. A excessiva vinculação cria ineficiências na administração dos recursos públicos, pois algumas áreas ficam com muito dinheiro para gastar e outras ficam carentes de recursos.

O Congresso deveria, portanto, discutir uma ampla reforma fiscal em que a questão das vinculações seja avaliada. Enquanto isto não ocorre, é mais do que razoável que o governo (qualquer que seja sua conotação ideológica) tenha o direito de reivindicar um pouco mais de liberdade para executar as suas prioridades.