SUS não recebe por tratamento caro dado a cliente de plano de saúde
Se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratasse seu câncer pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mesmo tendo plano de saúde, o sistema público não receberia o dinheiro de volta, como determina a legislação brasileira. É que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ainda não cobra que as empresas devolvam ao sistema público o dinheiro gasto em procedimentos de alta complexidade, como é o caso da quimioterapia, aplicados em pessoas que têm planos de saúde.
Hoje, isso acontece para os gastos com internações. Se alguém que tem plano de saúde fica internado em um hospital do SUS, a ANS pede que a seguradora devolva o valor do tratamento.
Bruno Sobral, diretor de desenvolvimento setorial da ANS, explica que é feito um cruzamento de dados para fazer a cobrança.
– Hoje, o SUS passa um arquivo com os atendimentos que foram feitos e nós comparamos e vemos quem ali tem plano de saúde. Nós olhamos e vemos que o Felipe Maia [exemplo com o nome do jornalista] foi atendido naquela data e tinha cobertura do plano naquela região. Nós vemos que ele tem contrato com aquela operadora e ela passa a dever ao SUS.
Em setembro deste ano, a ANS repassou ao Fundo Nacional de Saúde R$ 76 milhões arrecadados por meio desse tipo de ressarcimento pelo valor das internações hospitalares.
Para que isso aconteça também com os procedimentos de alta complexidade, que incluem radioterapia, quimioterapia e hemodiálise, é necessário que a agência faça melhorias em sua estrutura. É preciso, por exemplo, criar um sistema para que a ANS possa detectar pessoas que se trataram no SUS e têm planos de saúde e também contrate funcionários para fazer essa análise.
No caso das internações hospitalares, esse tipo de adaptação fez com que os valores pagos pelos planos aumentassem. Esse valor de R$ 76 milhões repassado ao SUS neste ano, que se refere ao valor recebido pela ANS entre março de 2009 e setembro de 2011, já representa 80% do que a agência levou nove anos para arrecadar, entre o ano 2000 e fevereiro de 2009 – R$ 91,6 milhões.
O governo diz que o valor também aumentou por mudanças na legislação brasileira. Em agosto deste ano foi publicada uma lei no Diário Oficial da União que mudou a forma como esses valores são repassados. Antes, o dinheiro era destinado a gestores do SUS, que transferiam a grana para a unidade de saúde que havia prestado o serviço. Agora, a ANS passa o dinheiro devolvido pelos planos diretamente para o Fundo Nacional de Saúde, que vai “repartir o bolo”.
De acordo com a ANS, para que isso acontecesse foi preciso melhorar o gerenciamento do banco de dados sobre os atendimentos, que é repassado pelo Ministério da Saúde, e também a contratação de pessoal – foram contratados 89 servidores públicos temporários para esse trabalho.
Sobral diz que melhora nesse gerenciamento dos dados dá menos margem para que os planos de saúde contestem o pagamento pelo atendimento. Houve, por exemplo, melhorias na checagem de pessoas que têm o mesmo nome.
– A operadora tem o direito de contestar. Quanto melhor é o nosso batimento, nossos filtros, menos elas têm o que alegar.
Porém, para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a arrecadação feita pela ANS junto às empresas de planos de saúde ainda está muito aquém do que deveria ser. Na avaliação de Juliana Ferreira, advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), sabendo que não terão de ressarcir ao SUS os custos com tratamentos de alta complexidade, muitos planos ainda encaminham seus pacientes para hospitais públicos.
– Muitas operadoras negam o procedimento de alta complexidade e jogam o paciente para o SUS. A lei de ressarcimento ao SUS deveria servir justamente para evitar essa interferência do setor privado no setor público, mas, infelizmente, essa lei ainda não funciona adequadamente no Brasil.
O anúncio de que a ANS passaria a cobrar dos planos de saúde o dinheiro gasto pelo SUS no tratamento de seus clientes foi feito pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em agosto deste ano, mas a medida ainda não foi colocada em prática.
Agora, a agência, que não tem dados sobre quanto dinheiro seria arrecadado com os procedimentos de alta complexidade, diz que trabalha em um estudo para definir que tipo de adaptações são necessárias. Esse levantamento deve ficar pronto até o fim do ano, mas não existe prazo para que o ressarcimento comece.
Previsão
Procurado pelo R7, o Ministério da Saúde disse, em nota, que o governo firmou um acordo com a ANS para concluir, até o fim deste ano, o banco de dados que permitirá dar início ao processo completo de cobrança do ressarcimento de gastos ao SUS a partir de 2012.
A pasta informou ainda que já cobra dos planos de saúde o reembolso relacionado às internações hospitalares, inclusive para tratamentos de alta complexidade. Ainda segundo o governo, o ressarcimento relacionado aos procedimentos de “alta complexidade ambulatorial está em vias de ser cobrado, faltando apenas alguns ajustes na importação da base do DataSus [Banco de dados do Sistema Único de Saúde] pela ANS”.
Fonte: R7