Sim, nós podemos mudar!

Por Luciano Cerqueira*

A eleição de Barack Hussein Obama já virou história. Ele será o primeiro presidente negro dos EUA. Foi eleito com aproximadamente 53% dos votos. Tendo em vista um país com 13% de população afrodescendentes, não podemos deixar de reconhecer que algo está mudando. No Brasil, por exemplo, representamos 50% da população e nunca tivemos nem mesmo um governador negro.

Independente da forma como conduzirá os Estados Unidos (embora nem o mais pessimista acredite que ele – ou alguém deste planeta – seja pior do que George W. Bush), sua vitória representa um novo estágio das relações raciais nos EUA. Uma mudança que será para melhor.

Nascido no Havaí, filho de um queniano com uma americana, e durante muito tempo morador da Indonésia, Obama terá de enfrentar desafios muito concretos que exigirão habilidade, competência e sorte. Entre estes desafios está o enfrentamento da pior crise financeira desde a década de 30, que atingiu seu ápice durante a campanha presidencial.

Competência ele tem, foi o primeiro negro a presidir a Harvard Law Review (Revista de Direito de Harvard) e, antes de se formar, atuou como líder comunitário nos bairros carentes de Chicago, onde aprendeu muito sobre a principal característica da política: negociar. Por isso, acho que tem condições de se sair bem.

A esperança é que Obama consiga resolver problemas internos dos EUA para que voltem a crescer, bem como a economia mundial, o que pode fazer com que os menos afortunados consigam mais alguns “trocados” para sobreviver. Assim tem funcionado o capitalismo nas últimas décadas e, infelizmente, acho que não será ele quem mudará isso. Mas não são as mudanças que ocorrerão no mundo real que coloca o novo presidente na história, é a transformação nas mentes. Obama desafia as idéias convencionais a respeito da imagem e das funções culturais do líder da nação norte-americana, até então exclusivas dos wasp (sigla em inglês para branco anglo-saxão e protestante). Talvez o fato de ter crescido fora dos padrões, como um cidadão norte-americano de ascendência africana, tenha feito com que ele não tenha desenvolvido as fobias, os medos e o complexo de inferioridade que muitas vezes limitam, senão eliminam a mobilidade de negros, especialmente do sexo masculino.

Obama é o primeiro presidente negro dos EUA, um país que até 1960 considerava crime grave a miscigenação. Naquela época, em muitos estado do Sul, o pai de Obama poderia ser preso só por olhar para uma mulher branca, imaginem casar. No Norte, mais desenvolvido, a recriminação era mais enrustida, assim como vemos hoje no Brasil. Ele nunca foi um santo, e nem se vê como enviado de Deus, sua infância foi normal assim como sua adolescência. Um rapaz como outro qualquer que teve namoradas e experimentou drogas, até o momento em que descobriu o que realmente queria fazer da vida. E quando entrava na vida adulta, seu pai morreu, um pai distante, é verdade, mas seu pai. Obama, que sempre teve reservas com o pai, sentiu, naquele momento, que era hora de saber mais sobre suas origens e descobrir toda verdade sobre o pai que o abandonará com 2 anos de idade.

Barack, o pai, foi agraciado com uma bolsa de estudos para estudar em Nairóbi (capital do Quênia), quando o país ainda não era independente, em seguida, foi escolhido por patrocinadores americanos e quenianos para estudar em uma universidade americana, para, juntamente com outros africanos, aprender novas tecnologias e replicá-las em seu país. E foi isso que fez. Ao término dos primeiros anos de estudo, ganhou bolsa em Harvard – bolsa que não permitia levar a família devido ao baixo valor – e, quando esta acabou, voltou a sua terra para cumprir a promessa. Trocou o amor de uma mulher e do filho pelo amor que sentia por toda uma nação. Quem conhece o Quênia, sabe muito bem de quantos “Baracks”a África ainda necessita. Pai e filho nunca mais se encontraram.

Em seu primeiro livro (A origem do meus sonhos, Editora Gente), Obama conta um pouco de sua trajetória, conta como, mesmo sendo avesso a racializar as questões políticas, não pode deixar de reconhecer que existe um abismo a ser transposto pelos negros americanos (e de outras partes do mundo) e que muitas pessoas negras aprendem isso ainda muito cedo. Para exemplificar essa situação, ele narra como o primo de sua esposa, de apenas 6 anos, descobriu isso: os amigos da escola disseram que não queriam brincar com ele por causa de pele escura. Uma triste realidade mundial que faz com que muitas crianças percam cedo a inocência.

Ao ocupar sua sala na Casa Branca, Obama “reacenderá” o sonho americano, trazendo novamente a esperança àquelas pessoas que lutam por mudanças. Ele pode restabelecer a esperança numa sociedade que está vivendo uma profunda crise cívica e um declínio do prestígio internacional devido a problemas internos (aumento do endividamento pessoal, aumento dos custos da saúde, crise na habitação, desemprego em massa, falência de bancos etc.) e a problemas externos, destacando-se duas guerras desastrosas, brigas com a Otan, distanciamento da Europa (com exceção da Inglaterra) e uma posição contrária à tentativa de reduzir os danos causados pelos países ao meio ambiente – protocolo de Kioto.

O que estamos vendo agora é um sinal positivo, estamos vendo a sociedade americana em mudança. Pode até não ser uma mudança muito grande, pois sabemos que eleger Obama não é dar fim ao racismo que ainda persiste, mas podemos ver que algum progresso foi alcançado. Acho que o Brasil ainda não está pronto para um negro ou para uma mulher ocupar a Presidência da nação, mas um dia pode estar. Mas para isso teremos que dizer, quantas vezes for necessário, coisas que às vezes nós mesmos não queremos ouvir: somos racistas. Ainda é grande o preconceito contra pessoas negras, mulheres, homossexuais, indígenas e tantos outros grupos. Mas acho que, como os EUA, vamos conseguir andar para frente, vamos conseguir avançar rumo a uma sociedade mais justa em termos de oportunidades.

Obrigado Barack Obama, obrigado Lewis Hamilton, abraços Abdias do Nascimento, lembranças a Nelson Mandela, a Jurema Batista, a Matilde Ribeiro. Próximos de celebrarmos a semana da consciência negra vocês nos dão muitas razões para comemorar.

Uma pergunta está no ar. Será que um dia o Brasil chega lá? Yes, we can change.

(*) Luciano Cerqueira é pesquisador do Ibase. Artigo publicado no Portal Ibase, dia 06/11/08.