Regras do jogo

Correio Braziliense – 15/02/2012

Ao dizer que seu governo estará fora da eleição, Dilma deixa o caminho livre para os petistas, que têm Lula, mas prende os aliados com estrelas no governo, caso do PMDB, do vice-presidente da República, Michel Temer

Pelas informações dos líderes partidários, a presidente Dilma Rousseff aproveitou a reunião do conselho político ontem de manhã para definir um código de boa conduta do Poder Executivo durante as eleições de outubro. Foi incisiva ao dizer que seu governo não vai participar da campanha e que não permitirá o uso da base aliada para beneficiar esse ou aquele candidato. Você, leitor, acredita em ministros fora dos palanques? Provavelmente, não. Os líderes aliados, idem. Mas fizeram questão de registrar tudo para cobrar depois.

Afinal, no caso do PT, a determinação de Dilma não faz nem cosquinha. Isso porque o maior líder do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, continua leve e solto. Não é do governo e sim do PT. Tanto que um líder na reunião brincou se a decisão valia para Lula, e Dilma continuou falando, como se não tivesse ocorrido qualquer comentário. Agiu no melhor estilo de quem cala, consente.

Vejamos o PMDB: o partido não tem lá grandes líderes nacionais e nem ministros capazes de fazer a diferença na hora do voto. Mas a presença do vice-presidente da República Michel Temer, nos palanques peemedebistas, pode dar aquele verniz, especialmente nas cidades dependentes do Orçamento da União. Pela decisão da presidente, muitos concluíram que Temer está fora dos palanques. E o PSB? O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, que poderia dar uma força aos socialistas, está agora amarrado pela decisão de Dilma.

Aliás, se for para levar ao pé da letra o que ela disse no encontro político de ontem, não haverá espaço sequer para as famosas “emendadas”, ou seja, o ministro sai de Brasília num avião da Força Aérea para um evento de governo diurno em qualquer ponto do país e, à noite, encaixa um compromisso de campanha na mesma cidade. Aliás, para nós, jornalistas, é bom aproveitar o período de campanha para verificar se haverá uma repetição dessa prática, comum em muitos governos.

Por falar
em ao pé
da letra…

A presidente foi ainda incisiva em outros pontos — esses sim, os líderes levaram muito a sério. O principal deles foi a obsessão dela pela qualidade dos serviços públicos. Dilma quer que o atendimento de saúde seja todo registrado on-line, como ocorre na Previdência Social. Hoje, quando um aposentado procura o INSS, tudo fica registrado. No Sistema Único de Saúde (SUS), isso não acontece. Dilma avisou aos líderes que pretende ver sua equipe levando essa obsessão ao pé da letra.

A preocupação de Dilma com a qualidade dos serviços parte das melhores intenções, mas não está longe de manter benefícios eleitorais. A classe média alta, meio avessa ao PT, mantém seu filhos em escolas particulares e recorre a serviços privados na área de saúde. A nova classe média, não. De 2003 para cá, 29 milhões de brasileiros entraram na classe média. Essas pessoas, em sua maioria, procuram os serviços públicos de saúde, educação e até transporte. E agora estão mais exigentes no que se refere a qualidade.

No momento em que o governo oferecer serviços melhores, obviamente, o eleitor será mais “fiel” ao governo. Se essa qualidade não for assegurada, a oposição tem ali um terreno fértil para plantar suas candidaturas. Por isso, muitos líderes acham que, nas coxias do Planalto, a obsessão da presidente Dilma pela qualidade dos serviços tem ainda o objetivo de fidelizar o eleitor. Se conseguir, a oposição terá que se preparar para mais um período longe dos palácios. Afinal, na política assim como no amor, quem pode mais, chora menos. Essa é a regra do jogo.