Sem exclusão

Por Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
O Globo – 27/02/2012

Tema em discussão: internação compulsória de viciados em crack

O modelo psiquiátrico clássico restringiu o espaço de atenção à saúde à sua natureza biológica e organicista, centrando as estratégias terapêuticas no indivíduo extraído do contexto familiar e social. Desta forma, a instituição psiquiátrica tornou-se o locus de tratamento e a psiquiatria o saber competente, tornando a relação tutelar um dos pilares constitutivos das práticas denominadas manicomiais.

A transformação e a construção de uma outra lógica de cuidado consistiu, principalmente, na ruptura do sistema coercitivo e na problematização de seu funcionamento cotidiano, movimento que no Brasil denominamos “reforma psiquiátrica”, resultando na Lei 10.216, que desde 2001 passa a produzir diretrizes para as políticas de saúde mental em nosso país, ferramenta legal que nos serve para afirmarmos a problematização dos processos homogeneizantes de exclusão, de destruição subjetiva e de cronicidade política.

A Lei 10.216 prevê a internação compulsória como medida a ser adotada por juiz competente. Disto se depreende que a mesma deve ser parte de um processo judicial, ou seja, decorrência da adoção de uma medida de segurança, tendo em vista o cometimento de ato infracional por parte do usuário. Entendemos, portanto, que compulsoriedade não é estratégia de cuidado. E não podemos admitir a introdução de aplicação de medida jurídica fora de um processo judicial.

Carecemos de políticas públicas transversais pautadas na ética e na promoção dos direitos humanos, que não reduzam a condição de sujeitos a objetos de intervenção e que contemplem a complexidade que o tema das drogas nos sugere.

Políticas de acolhimento não são práticas de recolhimento. Enfrenta-se o rompimento de laços sociais com o fortalecimento de vínculos e, deste modo, não podemos reduzir nossa discussão à perspectiva do indivíduo que consome ou do indivíduo que trafica. É preciso tornar coletiva nossa discussão e, deste modo, construir estratégias comprometidas com a chamada lógica de território. Um tratamento que não seja marcado pela repressão ou pela imposição de uma norma que sirva para dar conta de um castigo que remeta a uma transgressão. O que precisamos é fortalecer e ampliar a rede de Centros de Atenção Psicossocial com funcionamento ininterrupto, a adoção de medidas como consultório de rua, o entendimento de que cuidado não é segregar ou medicar, somente.

Em nome da proteção e do cuidado que formas de sofrimento e exclusão temos produzido? É preciso que estejamos atentos às formas de exclusão que – muitas vezes de forma invisível e sutil – constituímos como política de intervenção. Enfrentaremos a questão das drogas no Brasil quando “acolhimento” não for mais sinônimo de monitoramento, vigilância e tutela.

Entendo e afirmo a urgência dessa discussão, mas sobretudo chamo a atenção para o perigo de construir respostas antes mesmo de formular perguntas. Precisamos ampliar e qualificar nosso debate, na direção de uma política solidária com o sofrimento e de um cuidado que não produza mais sofrimento pela via da exclusão.