Punidos pelo descaso
Correio Braziliense – 09/04/2012
Apenas um terço das cidades com unidades para menores infratores oferece tratamento aos dependentes químicos
Às vésperas de entrar em vigor, a lei que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), detalhando como deve ser feita a ressocialização de menores infratores no Brasil, dedicou uma seção inteira ao tratamento dos adolescentes dependentes de álcool e drogas. Avaliação com equipe multidisciplinar, terapêutica que se estenda à família e atendimento inclusivo nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) são mecanismos presentes na legislação.
A realidade, porém, é bem diferente. Levantamento do Correio mostra que apenas um terço dos 209 municípios que abrigam unidades de meninos e meninas em conflito com a lei no país conta com os Centros de Atenção Psicossocial para Infância. Chamados de CAPSi, eles são a principal estrutura da rede pública para assistir usuários de entorpecentes de até 18 anos.
Mesmo se considerada a oferta de Caps-AD, unidade de saúde voltada para adultos usuários de álcool e drogas, somente metade das cidades que têm estabelecimentos com menores infratores é atendida. A falta do serviço na rede pública, aliada à precariedade de praticamente todos os 435 centros socioeducativos do país, que muitas vezes nem equipes de saúde fixas têm, coloca em xeque a recuperação dos adolescentes que cometeram delitos.
“Cada vez mais o ato infracional está relacionado com as drogas, principalmente com o crack. De que adianta, então, privar o menino ou a menina de liberdade sem tratar a dependência? As chances de reincidência aumentam muito”, aponta Ariel de Castro, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Pelo menos 86 cidades no país que abrigam os estabelecimentos com menores infratores não contam nem com CAPSi nem com Caps-AD. Rondônia é exemplo emblemático da falta de serviços de saúde. Lá, as 27 unidades socioeducativas estão espalhadas por 13 municípios, mas somente Porto Velho tem um centro de tratamento voltado para adultos usuários de álcool e drogas. A distância de muitos municípios desassistidos até a capital chega a 500km. Engana-se, porém, quem imagina que o problema está apenas nos rincões do Norte ou do Nordeste do Brasil. Luziânia, de quase 200 mil habitantes e a apenas 60km de Brasília, também sofre com a falta de um serviço de tratamento especializado.
Há cerca de seis meses, um psiquiatra, cedido pela Secretaria Municipal de Saúde, visita o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Luziânia uma vez por semana. “Antes, acontecia de a gente ter que levar o adolescente durante uma crise, um surto, ao HPAP (hospital para doentes mentais em Taguatinga), sem estrutura, com dificuldade de carro, de ter agentes para acompanhar. E, quando chegávamos lá, muitas vezes o atendimento era a aplicação de um remédio. Agora, pelo menos temos essa visita semanal do médico”, diz Eva Simão de Araújo, coordenadora-geral do Case de Luziânia. Ela considera, entretanto, que o melhor seria existir um serviço permanente na cidade. “Infelizmente, não temos Caps-AD aqui. Sem um tratamento para os meninos dependentes, fica mais difícil fazer o trabalho socioeducativo”, lamenta.
Abstinência
Não existe uma informação oficial sobre a quantidade de menores infratores usuários de drogas, mas estudos localizados e o dia a dia das unidades mostram que o problema é cada vez maior. No Case, 95% dos 57 internos consumiam pelo menos algum tipo de entorpecente antes de serem privados de liberdade. A crise de abstinência dos primeiros dias é acompanhada com apreensão pelos educadores e monitores. “Nós, que somos leigos no assunto, não podemos dar remédios ou qualquer outra coisa. Eles passam muito mal, ficam agitados, ansiosos, têm dificuldade para dormir. Mas temos que esperar o psiquiatra para avaliá-los”, relata Eva.
A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) informou, em nota, pela assessoria de imprensa, que o governo federal preconiza o atendimento do adolescente infrator de forma inclusiva e integrada. E ressaltou o trabalho em curso para garantir o atendimento a essa população. “A SDH vem articulando com o Ministério da Saúde para a oferta de atendimento adequado aos adolescentes usuários de drogas, de acordo com o Sinase.” O Ministério da Saúde foi procurado pela reportagem, mas não retornou.