Desafio estratégico do movimento da reforma sanitária
Carlos Ocké Reis*
A construção do SUS universal, integral e equitativo é um objetivo estratégico do movimento da reforma sanitária.
Se esse objetivo estratégico é retoricamente consensual, ele sozinho não permite homogeneizar a caracterização da conjuntura, nem organizar ações táticas, tampouco articular diferentes expectativas das entidades do movimento em relação aos meios para atingir os pressupostos constitucionais do SUS.
Pior: quanto maior a instabilidade das normas e dos valores que fundaram o SUS (por exemplo, o conceito ampliado de saúde, a determinação social da doença e o caráter público das políticas sociais), tais expectativas tendem a apontar para uma constante ameaça ao SUS e, portanto, a visão que as entidades têm da conjuntura será de uma crise permanente, não havendo clareza se as ações fragmentadas das diversas entidades na conjuntura obedecem a algum sentido estratégico.
Diante deste quadro, precisamos avaliar conjuntamente a correlação de forças, em um cenário onde a hegemonia do mercado é crescente, nos fortalecendo para a ação institucional, para a mobilização social e para a organização do movimento.
A meu ver, em razão das atuais circunstâncias históricas, as relações mercantis do setor de saúde não serão extintas por decreto. Em que pese a lógica excludente do mercado, encerrada nos lucros extraordinários e na radicalização da seleção de riscos, sua negação precisa ser mediada na teoria e na prática, na era da concentração, centralização e internacionalização do mercado de serviços de saúde sob hegemonia do capital financeiro.
Em uma perspectiva estratégica, essa reformulação teórica tem um ponto de apoio importante na cultura socialista: o debate em torno da transição democrática ao socialismo passa pela aplicação de certo capitalismo de Estado, que valorize a solidariedade entre as nações, a função social da propriedade, o planejamento e o mercado interno, desprivatizando o fundo público e incorporando a sociedade civil no processo decisório governamental
Afinal, o SUS é parte integrante de um novo modelo de desenvolvimento na América Latina e sua implantação seguirá pari passu à redução da pobreza, da desigualdade, da violência social e dos baixos níveis educacionais e culturais no Brasil.
* – Carlos Ocké Reis é Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea.