A constitucionalização do subfinanciamento do SUS

Mais um ataque ao SUS: 

A constitucionalização do subfinanciamento do SUS através da PEC 358/2013

 Grazielle Custódio David*

O Projeto de Emenda à Constituição (PEC) n.358 proposto em 28/11/2013 no Senador Federal tratava inicialmente de alterar os artigos 165 e 166 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária dos parlamentares (Orçamento Impositivo).

Já o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que foi apensado a ele em 11/12/2013, PEC n. 359, também apresentado em 28/11/2013 no Senado Federal, tratava de alterar os artigos 166 e 198 da Constituição Federal, para dispor sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União em ações e serviços públicos de saúde.

Em 29/04/2014 foi apresentado o texto do Substitutivo, que foi aprovado em 16/12/2014; sendo, portanto, este o texto que está valendo no momento.

Pelo texto do Substitutivo da PEC 358/2013 o art.1º incorpora ao Art. 166 da CF, um limite de um inteiro e dois décimos (1,2%) da Receita Corrente Líquida (RCL) para a aprovação de emendas individuais dos parlamentares (Orçamento Impositivo), sendo que a metade desse percentual (0,6%) deve ser destinada a ações e serviços públicos de saúde. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, esses recursos somam mais de R$ 9 bilhões neste ano, cerca de R$ 16 milhões por parlamentar. Além disso, esses valores destinados à Saúde do Orçamento Impositivo farão parte da base de cálculo do percentual mínimo a ser aplicado pela União à Saúde, não representando acréscimo ao Orçamento da Saúde.

Os Arts 2º e 3º da PEC, transcritos abaixo, tratam mais especificamente do financiamento da saúde:

Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantido, no mínimo:

I – treze inteiros e dois décimos por cento da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

II – treze inteiros e sete décimos por cento da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

III – quatorze inteiros e um décimo por cento da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

IV – quatorze inteiros e cinco décimos por cento da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

V – quinze por cento da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.

 

Art. 3º As despesas com ações e serviços públicos de saúde custeados com a parcela da União oriunda da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal, serão computadas para fins de cumprimento do disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal”.

Pelo texto do artigo 2º está sendo trocado o que foi postulado pelo Projeto de Lei de Iniciativa Popular que requer 10% da Receita Corrente Bruta (RCB) da União para a Saúde, pela destinação de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), a ser alcançado ao final de cinco anos; porcentagem bastante inferior para o financiamento do SUS, já que o equivalente a 10% da RCB seria em torno de 18,7% da RCL, ao invés de apenas 15% como previsto no texto da PEC.

Já o Art. 3º da PEC determina que os 25% dos recursos provenientes dos royalties do petróleo deixem de serem recursos adicionais como estava previsto no texto da lei 12.858/2012:

4º Os recursos destinados para as áreas de educação e saúde na forma do art. 2º serão aplicados em acréscimo ao mínimo obrigatório previsto na Constituição Federal”.

 

A previsão da Comissão de Orçamento da Câmara é de que o valor destinado à saúde através dos royalties do petróleo alcançará em dez anos o montante de R$ 42 bilhões. Pelo texto da PEC a porcentagem dos royalties passará a fazer parte do valor computado como percentual mínimo a ser aplicado em saúde pela União, deixando de ser recurso extra.

Todas estas perdas agravam ainda mais o quadro de subfinanciamento federal da saúde já existente. Num momento em que a sociedade requer um aumento no orçamento do SUS através do Saúde+ 10, o Congresso Nacional segue no sentido contrário.

Na votação de 06/05/2014, o texto do Substitutivo da PEC foi aprovado com destaques para votação em separado (DVS) dos artigos 2º e 3º. Na votação dos destaques em 16/12/2014, o primeiro destaque foi vencido por ampla maioria: 349 votaram pela manutenção do texto, 59 pela supressão e três abstenções. Na votação do segundo destaque, ele também foi vencido por ampla maioria: 354 votaram pela manutenção do texto, 30 pela supressão e quatro abstenções.

Após retornar do Senado, a PEC 358/2013 já foi aprovada em primeiro turno pelo Plenário da Câmara, restando agora só mais uma rodada de votação na Câmara dos Deputados antes de ser promulgada. De acordo com a mídia, o presidente da Câmara prometeu colocar a PEC em votação na próxima semana, mais precisamente na segunda (09/02) ou terça-feira (10/02/2015). Além disso, o assunto será ponto de pauta da reunião do Conselho Nacional de Saúde na quarta-feira (11/02/2015).

Por que dizer não às alterações previstas na PEC 358 a respeito do financiamento federal do SUS?

1) Porque está se trocando a luta que mais de 2,2 milhões de eleitores e de importantes entidades da sociedade civil levaram ao Congresso Nacional através do Projeto de Lei de iniciativa popular conhecido como Saúde + 10, que com a proposta de 10% da RCB  estava  requerendo R$ 257,5 bilhões para a saúde ao final dos 5 anos, já com a proposta da PEC 358 serão apenas R$ 64,2 bilhões ao final de 5 anos, uma perda de R$ 193,3 bilhões (dados de Sérgio Piola em http://goo.gl/rlnKrh);

2) Porque está prevendo um financiamento extremamente insuficiente para à saúde através de emenda à Constituição, tornando qualquer mudança futura em busca de um financiamento mais adequado extremamente difícil, já que uma nova emenda à Constituição requer maioria de 3/5 nas votações, tendo que ser realizadas nas duas Casas do Legislativo, em dois turnos em cada uma;

3) Porque está se retirando do financiamento da saúde um recurso extra advindo dos royalties do petróleo, que representariam em 10 anos, pelas previsões, um montante adicional de R$ 42 bilhões.;

4) Porque aqueles que deveriam representar os interesses da população brasileira (os deputados federais e senadores) não estão fazendo isso, especialmente com relação à garantia do SUS, patrimônio dos brasileiros. Pelo contrário, estão usurpando bilhões do SUS com o texto da PEC 358/2013, fruto de acordos com o governo somente para garantir seus interesses através do orçamento impositivo das emendas parlamentares. O povo brasileiro não quer ser comprado com ações politiqueiras e eleitoreiras dos R$ 16 milhões de cada parlamentar, o que se quer é um SUS que funcione, que garanta o direito à saúde pública de qualidade para todos e que para isso precisa de um financiamento adequado.

Os dois temas não deveriam estar sendo votados conjuntamente, especialmente quando para garantir o Orçamento Impositivo se impõe um grande prejuízo ao Financiamento da Saúde.

* – Grazielle Custódio David é mestranda em Saúde Coletiva/UnB e é membro da diretoria executiva do cebes, integrante do nucleo do DF.