8 de Março: dia de luta por nenhum direito a menos e nenhuma mulher a menos
Eleonora Menicucci de Oliveira
Profa. Titular Sênior do Dep de Medicina Preventiva /UNIFESP
Ex Ministra de Políticas para as Mulheres no Gov. Dilma Rousseff
A luta pela igualdade entre mulheres e homens, em nosso país, está intrinsecamente ligada a luta contra o patriarcado e o capitalismo e, tem nos movimentos de mulheres e feministas o conjunto de sujeitos políticos.
Uma sociedade democrática, livre de discriminações e um Estado que atue para garantir a cidadania tem sido o norte destes movimentos.
No processo de luta contra a ditadura civil militar e na redemocratização, as mulheres tiveram um lugar de protagonistas. A ideologia patriarcal e machista tem negado à mulher o seu desenvolvimento pleno, omitindo a sua contribuição histórica, enquanto o capitalismo, ao agregar valor de exploração, fortalece a divisão sexual do trabalho, mantendo o trabalho doméstico como lugar natural das mulheres, não remunerado.
Nesse contexto, as mulheres assumiram a luta por uma Constituição livre e soberana, propuseram direitos que as protegessem da ação patriarcal e aturam na elaboração da Constituição Cidadã de 1988.
O movimento de mulheres em sua amplitude e diversidade ao lado do movimento feminista foram o atores políticos determinantes para a luta contra as políticas neo-liberais da década de 90 e para a proposição de politicas públicas que enfrentassem as desigualdades em nosso País.
A nível internacional, o Brasil assinou todas as resoluções para a igualdade das mulheres no âmbito das Nações Unidas. A ONU declarou a década de 1970 como a Década das Mulheres, realizando a primeira Conferência Internacional das Mulheres ,em 1975 ,em Nairobi, sucedida por mais três, nos anos 90, onde o governo brasileiro foi signatário de todas as resoluções, reconhecendo a brutal desigualdade de gênero em nosso país, o que exigia políticas públicas como uma das estratégias para o processo de rompimento dessa desigualdade.
Com a efervescência social e política dos anos 1980 e 1990, os movimentos por direitos ressignificaram as lutas desse campo, colocando a igualdade de gênero como estruturante de uma democracia radical.
No entanto, a implantação de políticas públicas para as mulheres, só foi acontecer a partir de 2003 com a chegada ao governo do PT. Até então, sob a égide dos governos neoliberais, existia apenas o Conselho Nacional de Direitos da Mulher, órgão não deliberativo, apenas consultivo, ligado ao Ministério da Justiça. Nenhum recurso financeiro destinado às políticas públicas para as mulheres.
Segundo Simone de Beauvoir, são nas crises que as mulheres sempre foram e serão as primeiras a serem atingidas em seus direitos. Isso porque o patriarcado é o sustentáculo do capitalismo, o sustentáculo das políticas neoliberais
Propor a igualdade de gênero, sem considerar classe social e raça torna impossível a conquista dessa igualdade. Foi esta visão que orientou a ação dos governos democráticos e populares, na articulação das políticas públicas de gênero. Cito algumas:
Políticas para igualdade das mulheres – Criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres: a impulsionadora das ações para a igualdade das mulheres brasileiras.
Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres e fortalecimento do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher: governando com participação social
Gestão Transversal das Políticas para as Mulheres e articulação com politicas de enfrentamento das desigualdades
Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e a conquista da Lei Maria da Penha, do Feminicídio
Programa Mulher Viver sem Violência – integrar e ampliar serviços públicos
Implementação da Casa da Mulher Brasileira, atendimento ampliado do serviço 180, ampliação do atendimento às vítimas de violência sexual, serviços de saúde e coleta de vestígios de crimes sexuais, implantação e manutenção dos Centros de Atendimento as Mulheres em regiões de fronteira seca, campanhas continuadas de conscientização e as Unidades Móveis para mulheres em situação de violência no campo e na floresta.
Importantes avanços ocorreram na legislação e na normatização de atendimentos. Três leis merecem ser destacadas: a que tipificou o crime de Feminicídio (Lei 13.104/2015), que é o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulher; a que estabelece o atendimento obrigatório integral às vítimas de violência sexual (Lei 12.845/2013), que refere-se ao aborto nos casos previsto em lei e também na oferta da contracepção de emergência pelos serviços públicos e conveniados do SUS, em até 72h; e a que passa a ofertar, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cirurgias reparadoras de sequelas e lesões causadas por atos de violência contra as mulheres (Lei 13.239/2015). Cumprindo a legislação, fortalecemos os serviços de aborto legal no âmbito do SUS, garantindo respeito e dignidade às mulheres.
Autonomia econômica – tratamento transversal
Uma das medidas significativas foi a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Emenda Constitucional 72/2013, que ampliou para as trabalhadoras domésticas direitos trabalhistas consolidados em lei. Essa PEC foi considerada uma conquista histórica no país, por corrigir uma distorção e enfrentar o legado do racismo e da escravidão no país.
Educação não sexista e voltada para ampliar o número de mulheres nas Ciências
O cenário atual
Construímos grandes avanços, mas a maioria deles esta sendo destruído e muitas ações governamentais paralisadas.
É verdade que também não fizemos tudo. Não avançamos, por exemplo, no tema dos direitos sexuais e reprodutivos, com uma das pautas mais importantes do feminismo, que é a descriminalização do aborto. Mas reafirmo a total impossibilidade de enviar qualquer projeto sobre o tema neste Congresso Nacional, marcado por fundamentalistas e conservadores, sem nenhuma disposição para o diálogo.
Outro ponto também que também não conseguimos regulamentar, a despeito de estar na Constituição de 1988, é o salário igual para trabalho igual. Forças do mercado sempre impediram qualquer avanço nessas discussões.
Numa sociedade como a nossa, de raízes patriarcais e racistas, onde prevalece o machismo nas relações de poder, é muito difícil as mulheres disputarem qualquer lugar de poder em igualdade de condições e de oportunidades, apesar de toda a trajetória de lutas e acúmulos políticos e conceituais obtidos.
Sem a reversão desse quadro, continuará sendo penosa a caminhada para a conquista de espaços que contribuam efetivamente, para as mudanças na composição das instâncias de poder. E, sobretudo, para realizar as grandes disputas necessárias no campo dos símbolos, das representações sociais e da cultura.
Estamos vivendo um Estado de Exceção com o golpe parlamentar de 2016, com desmonte sistemático dos nossos direitos e eliminação de conquistas históricas.
O congelamento orçamentário dos gastos do governo por 20 anos, resultado da Emenda Constitucional 55, compromete nada menos do que cinco mandatos presidenciais, retirando da população brasileira o direito de escolher onde e como investir os recursos públicos. Atinge drasticamente o orçamento destinado à educação, saúde e para as políticas sociais, notadamente aquelas destinadas às políticas para a igualdade de gênero, raça e direitos humanos.
O assassinato das leis trabalhistas coloca o Brasil muito semelhante à época da escravidão: trabalho intermitente, desregulado, o negociado sobre o legislado, cortes em todos os direitos, flexibilização, as mulheres gestantes e lactantes trabalhando em lugares insalubres, assédio moral e sexual no trabalho; salários diferentes, indenizações diferentes : precificação do assédio. As trabalhadoras domésticas passam a ser pessoas jurídicas, sem a menor condição de negociar entre quatro paredes.
Do ponto de vista da Educação, a aprovação da reforma do Ensino Médio, com a inclusão na base nacional do currículo da perspectiva da “Escola Sem Partido”, sem as disciplinas críticas – Sociologia e Filosofia- tem como objetivo formar cidadãos e cidadãs adestrados. São impactos que provocam retrocessos e colocam as mulheres em lugares dos quais nós já havíamos saído – o tanque e o fogão.
Desde a consumação do golpe neo liberal e patriarcal de 2016 que retirou do poder a primeira mulher eleita e reeleita no Brasil , Dilma Rousseff sem nenhum crime de responsabilidade, as mulheres não saíram das ruas: mexeu com uma, mexeu com todas.
Em 2018, com o agravamento do Estado de exceção, que retirou todos os direitos trabalhistas, sociais, econômicos e individuais vimos aumentar e explicitar a repressão e censura aos Museus, as Universidades, ao teatro e a intervenção do exército no Rio de Janeiro, o 8 de março assume um significado maior de luta das mulheres.
As mulheres não aceitam nenhuma mulher a menos e nem tampouco nenhum direito a menos.
As mulheres sabem o que estão perdendo com este governo golpista e ilegítimo: estão sendo jogadas na vala da informalidade do emprego, estão perdendo o acesso aos serviços básicos de saúde , enquanto continuam sendo assassinadas pelo fato de serem mulheres.
O estupro aumenta dia a dia.
Na defesa intransigente da Democracia Plena as mulheres tomarão novamente as ruas de nosso país no 8 de março.