As mulheres negras e o 8 de Março
Por Joice Aragão*
O dia 8 de março vem cada dia mais se firmando em todo o mundo como uma data em que retomamos mais aprofundados os aspectos da luta das mulheres por maior justiça social, pela busca da cidadania plena e pelo direito a ser feliz. As mulheres negras do Brasil, tem uma história de violência que se inicia com a imigração forçada de nossas ancestrais para cá e com a invisibilidade das desumanas formas de vida que foram e ainda são submetidas numa sociedade desigual e perversa. Em todas as situações de ausência de estado de direito as mulheres são as mais vulneráveis e seu corpo estará exposto a abusos e violências que podem culminar em gravidez. A escravatura que construiu a sociedade que vivemos mantém de forma sutil os olhos bem fechados para não perceber como a permanência destes valores mancham a nação brasileira.
O quesito raça/cor foi retirado dos documentos dos brasileiros durante a ditadura militar do golpe 1964. Retorna timidamente e sofrendo muitas críticas mas, já serve de forma consistente para se vislumbrar realidades numéricas que afetam metade da população brasileira que se autodeclara negra. O aumento do quantitativo de autodeclaração como negros é resultado do processo de redemocratização que levou ao movimento negro a retomar as rédeas da legitimidade de suas reivindicações e sobretudo de fazer da sua história motivo de orgulho e não mais pactuar com a política de embranquecimento e da farsa da inexistência de racismo no Brasil. Os números das desigualdades estão expostos mostrando que há um cerceamento que impede a população negra de ocupar espaços de qualidade de vida e de dignidade e ocuparem as vagas em presídios. Neste cenário mulheres e crianças aparecem em toda a sua vulnerabilidade como vítimas da violência e da dificuldade de acesso. Entre as mulheres, que representam mais da metade da população brasileira (51,5%), as negras são metade deste contingente feminino, ou seja, representavam em 2011, (PNAD/IBGE) 50,2 milhões de brasileiras. Nos dados socioeconômicos disponíveis podemos constatar que a maioria das negras encontra-se abaixo da linha da pobreza, a taxa de analfabetismo é o dobro das brancas; são majoritariamente chefes de família sem cônjuge e com filhos; por razões sociais ou de discriminação, as mulheres negras têm menor acesso aos serviços de saúde de boa qualidade, à atenção ginecológica e à assistência obstétrica – seja no pré-natal, parto, puerpério ou menopausa; e maior risco que as brancas de contrair e de morrer mais cedo de determinadas doenças. (Ministério da Saúde/ Plano de ação 2004-2007). O MAPA da violência de 2010 mostra que mulheres negras são as maiores vítimas da violência doméstica. Morreram 48% mais mulheres negras do que brancas vítimas de homicídio, diferença que vem se mantendo ao longo dos anos. Em SP entre 2002 a 2004 segundo dados do Sistema Estadual de Análise de Dados morreram 2200 mulheres entre 25 e 39 anos sendo 1700 negras. Ao contrário do racismo individual “que se aproxima do preconceito, quando alguém se acha superior ao outro por conta de sua raça, o racismo institucional é desencadeado quando as estruturas e instituições, públicas e/ou privadas de um país, atuam de forma diferenciada em relação a determinados grupos em função de suas características físicas ou culturais. Ou então quando o resultado de suas ações – como as políticas públicas, no caso do Poder Executivo – é absorvido de forma diferenciada por esses grupos. É, portanto, o racismo que sai do plano privado e emana para o público” (prof. Hélio Santos).
Toda mulher negra sabe que mesmo que tenha tido a sorte de adquirir qualificação profissional encarará no dia o desafio da concorrência racial, sabe que a sua pele, seu cabelo e seu nariz sempre fazem parte de seu currículo como fator negativo. Sabe que a mentalidade escravocrata sempre olhará para ela já lhe atribuindo um lugar na cozinha.
Por isto se organizam e lutam para fazer valer seus direitos, para não se permitirem que lhes tirem suas possibilidades de sobreviver com dignidade. As negras brasileiras estão cada dia mais fortes.
* – Joice Aragão é médica militante do movimento de homens e mulheres negras do Brasil, coordenou a implantação da política nacional da doença falciforme de 2005 à 2015