A pandemia e a cooperação internacional em saúde
por Paulo M. Buss, professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz, onde dirige o Centro de Relações Internacionais e Saúde; e Membro Titular da Academia Nacional de Medicina
A pandemia pelo novo coronavírus impõe aos governantes nacionais tomar medidas urgentes e corajosas. Eles devem ser capazes de liderar a luta contra a enfermidade, assumindo a gravidade da mesma e incentivando a população a seguir as recomendações da autoridade sanitária nacional, das quais devem ser os fiadores.
Entretanto, implícito ao conceito de pandemia, declarada pela OMS em 11/03/2020, está a importância e necessidade impostergável de cooperação política e técnica entre os países, particularmente os vizinhos, para enfrentar a enfermidade, que reconhecidamente não respeita as fronteiras geopolíticas.
A América do Sul foi um exemplo para o mundo da cooperação em saúde, durante a existência da União de Nações Sul-americanas (UNASUL) (2008-2019). Como parte da estrutura mais alta da governança da instituição multilateral regional, estava o Conselho de Ministros da Saúde. À época, o enfrentamento coletivo dos países às epidemias de dengue e a organização de ações comuns contra outras doenças transmissíveis emergentes e reemergentes, como o preparo coletivo para a eventual introdução do vírus Ébola, foram conduzidos pelo Conselho, apoiado pelos Chefes de Estado e implementado pelos Ministérios e sistemas de saúde dos Estados-membro.
A implosão da UNASUL, ou seja, o rechaço ao multilateralismo regional, liquidou com o mecanismo estável que vigorou por cerca de dez anos na região.
A restauração deste mecanismo político e técnico (ou equivalente) é fundamental para o enfrentamento da epidemia pelo novo coronavírus, pois simplesmente fechar fronteiras com nossos vizinhos não é a solução, especialmente para o Brasil que possui mais de 16 mil km de fronteiras com os mesmos, uma vida quotidiana de benefícios mútuos e uma intensa cooperação para enfrentar os problemas. Tampouco faz sentido excluir territórios por questões político-ideológica, a exemplo da Venezuela ou qualquer outro país. A pandemia afeta a todos, indiscriminadamente; ou seremos todos, ou não seremos.
Os Ministérios da Saúde da região estão fazendo consultas entre si, mas é necessário institucionalizar tais relações no mais alto nível e intensificar as consultas e a ajuda mútua, para que medidas técnicas de vigilância de saúde de fronteira – que dependem dos 12 países sul-americanos – sejam implementadas, com benefícios para todos. Também devem estar incluídos nesta cooperação o intercâmbio de dados e informações e as soluções encontradas em várias dimensões (social, sanitária e clínica) para enfrentar a epidemia, assim como o compartilhamento dos escassos recursos para diagnóstico e tratamento.
A formalização e institucionalização dessas relações intergovernamentais no mais alto nível abrirá caminho e incentivará uma vital cooperação entre Universidades, Institutos de Pesquisa, Escolas de Saúde Pública e graduações nas profissões da saúde, visando estabelecer capacitação de recursos humanos e implementação de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, que respondam às necessidades comuns aos países da nossa região, no enfrentamento da epidemia do novo coronavírus.
Uma outra dimensão será o apoio mútuo quanto a recursos para diagnóstico e tratamento, como testes, ventiladores respiratórios, medidas de proteção aos trabalhadores da saúde e tantos outros, o que precisa ser visto com os olhos generosos da solidariedade continental.
Por fim, se são sinceras e vão se tornar reais as recentes comunicações do FMI e Banco Mundial (que disporiam de USD 1 trilhão e USD 14 bilhões, respectivamente, para empréstimos confortáveis aos países mais vulneráveis e frágeis), os países da região deveriam buscar conjuntamente recursos econômicos críticos a custo zero nessas instituições para enfrentar a pandemia em conjunto, tornando tal postura e mecanismos um verdadeiro ‘bem público regional’.