Carta aberta do núcleo Goiânia do CEBES ao Conselho Municipal de Saúde e comunidade goianiense sobre as Organizações Sociais (OS) de Saúde
O Cebes Goiânia vem se posicionar contra o edital para a seleção de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, constituídas sob forma de fundação ou associação, para se qualificarem como Organização Social (OS) na área da Saúde para gerenciamento de Unidades de Atendimento Pré Hospitalar Fixas e Móveis, no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. É importante relatar que a luta contra a privatização realizada pelo CEBES Goiás existe desde a implantação das OS no Estado, juntamente com o SindSaúde, Frente Goiana contra a Privatização da Saúde, Conselho Estadual de Saúde e outras entidades. Também participamos da luta contra a instalação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG).
É preciso destacar que esse posicionamento se dá diante das evidências científicas que apontam que OSs atuam a partir de uma lógica mercadológica contrária aos princípios do SUS. As regras que as OSs estabelecem para atuarem nas instituições públicas são as da iniciativa privada, como as de qualquer empresa. O interesse maior é na relação custo/benefício na oferta dos serviços de saúde. Sob a gestão das OSs, a instituição hospitalar, que deveria ter o trabalho voltado para o atendimento às necessidades de saúde dos usuários, passa a funcionar com a lógica prioritária e central da produtividade. Isso significa que a centralidade do atendimento dos hospitais geridos por OSs estão em metas quantitativas em detrimento da maior qualidade ao atendimento aos usuários.
A pesquisa de Santiago (2012) feita com OSs no estado de Goiás apresenta diversas problemáticas relacionadas aos trabalhadores da saúde. Além destes estarem expostos a relações precárias de trabalho, não possuem estabilidade e autonomia para exercer suas atividades, ficando mais suscetíveis aos gestores.
A ausência do concurso público faz com que o princípio constitucional da impessoalidade na administração pública seja burlado, visto que passam a ser contratadas pessoas do círculo de relações pessoais, indicações políticas, entre outros. Assim, os profissionais que entram no serviço nessa condição, muitas vezes, ficam submissos àqueles que fizeram a indicação e ao coordenador do grupo tanto como uma forma de agradecimento pela indicação quanto para permanecer no emprego. Também há um elevado grau de exigência e pressão psicológica, aumento da carga de trabalho, mais controle do trabalhador (inclusive com uso de câmeras), quebra dos laços afetivos com mais disputas entre os trabalhadores e, consequentemente, com maior dificuldade de apoio e articulação do grupo para enfrentar as problemáticas.
O concurso da saúde que estava em andamento para este ano de 2020 no município foi suspenso. Repudiamos a possibilidade de que a abertura de chamamento para OS inviabilize a contratação de novos funcionários públicos. Também consideramos que o período eleitoral é um momento totalmente inadequado para a Prefeitura proponha este edital, e isso somado às dificuldades de comunicação que a quarentena nos traz, reforçam ainda mais a perversidade de um chamamento de OS neste momento. Bom lembrar que a última Conferência Municipal de Saúde se posicionou contrária às OSs.
Santiago (2012) considera ainda que é necessário demonstrar tanto para a sociedade em geral como para certos grupos de trabalhadores da saúde, que consideram que a gestão realizada pelas OSs é positiva, como esta traz prejuízos para o trabalhador, para o usuário e para própria consolidação do SUS. As OSs que já foram consideradas uma opção para aumentar a eficiência na gestão do SUS, tem mostrado um lado mais perverso: temos um histórico nacional com ampla divulgação na mídia de problemas de OS associadas à corrupção.
Queremos destacar a urgência para o controle e participação social poderem se efetivar sem maiores danos, e neste sentido alertamos que precisamos de um espaço para divulgar pautas e relatórios do Conselho Municipal de Saúde (CMS).
Compreendendo as dificuldades estruturais do CMS e exercendo nosso papel de Movimento Social de Saúde, o CEBES considera importante publicizar e divulgar essas reuniões, no sentido de ampliar a participação social sobre temas prioritários para o SUS no município de Goiânia. Contudo estamos tendo dificuldades em acompanhar os cronogramas e pautas a serem apreciados. Sugerimos que os links de acesso às reuniões sejam amplamente divulgados com antecedência, em uma plataforma que possibilite mais do que 100 participantes, garantindo a participação aberta. Que um grupo de trabalho possa cuidar de disponibilizar os relatórios das reuniões, que são de interesse da população, e aqui incluímos a importância de disponibilizarem os Relatórios das Conferências de Saúde, que não foram encontrados nas redes sociais da prefeitura ou do CMS, sendo necessário encaminhamento de ofício para o CMS para solicitá-los.
Reiteramos nosso compromisso com a informação, mas também com a Lei 8142, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Salientamos ainda que estamos dispostos a colaborar para este processo de transparência, talvez criando um blog ou alguma plataforma virtual do Conselho Municipal de Saúde, na qual todos possam ter facilidade de acesso às informações.
É importante relatar que elaboramos um “banner” sobre uma reunião ordinária do CMS que discutiria sobre OSs na última quarta-feira do mês de setembro. Logo após a divulgação, no grupo de whatsapp do CEBES, fomos alertados que a pauta tinha sido alterada e estando cientes desta mudança informamos rapidamente que a data da reunião sobre OSs tinha sido modificada. Isso foi feito em todos os outros grupos em que o banner foi divulgado. Destacamos que houve um problema de comunicação, pois não tivemos conhecimento prévio da alteração da pauta e isto gerou constrangimentos que poderiam ter sido evitados.
Também este banner trouxe o termo “APROVAÇÃO das OSs” que nos pareceu adequado, pois acreditamos que irá se deliberar sobre o tema e aprovar ou não. Mas após conversar com pessoas que vivenciam o espaço do Conselho, estes nos disseram que o termo APRECIAÇÃO seria mais preciso e por isto nos desculpamos se o termo “equivocado” trouxe outro sentido e causou algum constrangimento ao espaço do Conselho Municipal de Saúde. Estamos em movimento e aprendendo!
O que almejamos é publicizar esta plenária que tem um tema prioritário para a luta do CEBES Goiânia. Assim, entendemos que havia necessidade de alcançarmos maior participação social para realizar um debate honesto e ampliado sobre as OSs nesses tempos de pandemia.
Para finalizarmos, deixamos a seguinte pergunta: Se o Conselho Municipal de Saúde após a apreciação do edital da OS, se posicionar contrário a esta proposta, como irá proceder a Prefeitura e Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia? Acolherá ou passará por cima da decisão deste órgão, decisão essa vinda dos conselheiros e da população organizada?
O direito à saúde foi uma das maiores conquistas do Povo Brasileiro. Mas sabemos que seu fortalecimento implica em sua defesa. A privatização e o lucro está cada vez mais fazendo ofensiva ao espaço público. E o papel de quem está no Movimento de Reforma Sanitária Brasileira é resistir sempre! Porque saúde é democracia e democracia é saúde. E o CEBES não foge à esta luta!
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – Núcleo Goiânia
7 de outubro de 2020
Referência
Vieira, Patrícia Santiago Vieira. O trabalho em saúde nos hospitais de gestão terceirizada: o caso do Estado de Goiás – 2013