Paulo Amarante e o I Fórum Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental
Entrevista feita com o diretor do Cebes, Paulo Amarante pela Abrasco
A carreira de Paulo Amarante está diretamente ligada às lutas da saúde coletiva e da saúde mental. Um dos iniciadores do movimento nacional dos trabalhadores em saúde mental, Amarante denunciou a violência e os interesses mercantis que imperavam dentro da psiquiatria brasileira. Foi demitido do Ministério da Saúde, mas não esmoreceu, atuando como formulador e ator político desde os primeiros passos da Reforma Sanitária, da construção do SUS e da Reforma Psiquiátrica, até o surgimento do movimento antimanicomial que, com ele próprio diz, “não tem presidente, nem secretário, nem sede, mas organiza mobilizações em todo o Brasil, e mesmo com sua natureza, consegue atuar politicamente em diversos conselhos municipais, estaduais e nacionais”.
No intervalo do primeiro dia de trabalho do I Fórum Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental, Amarante conversou com o Abrasco Divulga e falou da importância e inovação do evento, que articula diversos temas e aspectos da atenção psicossocial, da recente homenagem recebida na Semana Sergio Arouca e da importância das associações científicas da Saúde em produzirem conhecimento e ferramentas de ação social e política.
Abrasco – Qual a importância para os campos da saúde coletiva e da saúde mental debaterem os Direitos Humanos?
Paulo Amarante: Tivemos a sensibilidade de propor um fórum que questiona a excessiva institucionalização das práticas políticas atuais. Tudo aquilo que era instituinte nos anos 70 e 80 virou gestão nos dias atuais, foi incorporado e capturado por políticas públicas e perdeu justamente seu caráter transformador, de criação e invenção permanentes. Não basta tornar os desejos em processos políticos, e sim continuar a produzi-los de tal maneira que se queira algo mais distante, algo que ainda não se tem. Não queremos só humanizar a assistência. Isto já conseguimos ao extinguir, mesmo que não totalmente, os espaços hospitalares de maior violência. No entanto, não conseguimos uma melhor qualidade de vida para as pessoas com transtornos mentais, para os diferentes e os que têm outras formas de estar no mundo. Por isso é importante voltar à ideia dos Direitos Humanos para não lutarmos apenas contra a violência, mas a favor de que as minorias e os diferentes sejam sujeitos de direitos.
Abrasco – Diversos campos de ação psicossocial estão presente no I Fórum Brasileiro, como a questão das drogas, das populações de rua, da infância, juventude e os transtornos mentais propriamente ditos. Qual a importância da articulação dessas diferenças para a sociedade?
Paulo Amarante: Esta articulação é a maior inovação deste evento para podermos entender que as questões sociais, políticas, sexuais, de gênero, culturais e étnicas, mesmo em lugares diferentes, podem construir um grande leque da sociedade. Ao buscamos recursos e possibilidades clínicas para diversos sujeitos, considera-se que esses direitos são iguais em princípio e ao mesmo tempo diferentes pela própria diversidade. Temos então a busca da equidade de recursos e serviços. A grande questão está em entender a saúde mental como universal pelos direitos e particularizada a partir do lugar social do sujeito de que estamos falando e tratando, independentemente se é cigano, quilombola, mulher, catador de rua. Tiramos o saber de uma clínica abstrata e compartimentada pela medicina, psicologia e outros campos do conhecimento para lidar com sujeitos concretos e quebrar assim um ideal de cura, de tratamento para buscar um ideal de sujeitos e da construção desses sujeitos.
Abrasco – Nesta semana, o senhor recebeu pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps) uma homenagem durante a Semana Sergio Arouca, organizada pela Esnp/Fiocruz. Como o senhor entende esse reconhecimento?
Paulo Amarante: Para mim e para o Laps foi um gesto muito importante, pois diz da minha trajetória e de tantos colegas. O Laps sempre teve um papel organizador dos movimentos da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, que não tem presidente, nem secretário, nem sede, mas organiza mobilizações em todo o Brasil, e mesmo com sua natureza, consegue atuar politicamente em diversos conselhos municipais, estaduais e nacionais.
Abrasco – Vemos hoje diversos movimentos que querem voltar a antigas práticas questionadas pelas reformas sanitária e psiquiátrica. Como o senhor vê essas velhas formas travestidas de novas?
Paulo Amarante: Certos aspectos pontuais colocados no debate social, como a cura gay, a diminuição da maioridade penal, as comunidades terapêuticas e o crescimento dos planos de saúde voltados às classes C e D, têm toda uma relação com as novas estratégias do capitalismo na área da saúde, que busca abrir novos mercados e atacar os Direitos Humanos. Vemos um movimento conservador que despolitiza as questões da vida e do cotidiano. São indústrias como a da fé e da doença que se fundem no mercado da medicalização e da famacolização da sociedade, não apenas ligados à produção e à venda de medicamentos, mas também na produção de pesquisas. É toda uma retomada do território desse pensamento que saúde é doença que enfrentamos na Constituição de 1988, nos debates das reformas sanitária e psiquiátrica.
Abrasco – A Abrasme tem cinco anos e é fruto de todos os movimentos e entidades, como a Abrasco e o Cebes, que buscam um olhar social para a saúde. Qual a importância dessas entidades estarem em parceria nas diferentes esferas do debate da sociedade?
Paulo Amarante: A Abrasme nasceu dentro do GT da Saúde Mental da Abrasco, que passou a ocupar um espaço grande dentro dos congressos. Passamos a ver que havia necessidade de mais espaços para divulgar as produções da área e também de criar uma entidade que reunisse os militantes da luta antimanicomial e a produção do conhecimento. Em nossos encontros sempre participam representantes de movimentos LGBT, catadores de rua, quilombolas, ciganos, uma amplitude de ativistas que ajudam na formulação desses estudos e reflexões e que podem construir o novo. A parceria com as demais entidades da Saúde Coletiva é vital também para isso, por termos objetivos comuns, como a saúde, a vida e os direitos dos sujeitos. É importante estarem sempre juntas como estão aqui no Fórum para que possamos ampliar o leque de atores sociais e se retroalimentar, para entender essas estratégias de mercado e suas repercussões no conjunto de direitos nos quais lutamos.