Frente pela Vida aponta mudança de rumo da ESF com o Programa Cuida Mais Brasil
O Cebes e as entidades da Frente pela Vida lançam nota apontando preocupação com a mudança de rumos na Estratégia Saúde da FamÃlia (ESF) com o lançamento do programa Cuida Mais Brasil, elaborado sem ser discutido com a sociedade civil como os Conselhos de Saúde, Conass, Conasems.
Frente pela Vida reafirma a defesa do fortalecimento da Estratégia Saúde da FamÃlia
Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 2022
A Frente pela Vida e as entidades abaixo signatárias manifestam sua preocupação o lançamento do Programa Cuida Mais Brasil, apresentado em vÃdeo do Ministério da Saúde, no dia 6 de janeiro de 2022.
Não se identificam nas falas dos representantes do Ministério da Saúde justificativas cientificamente embasadas para mudança de rumos na Estratégia Saúde da FamÃlia – ESF, modelo comprovadamente exitoso de Atenção Primária em nosso paÃs e que tem demonstrado melhorias fundamentais em relação aos indicadores de saúde, inclusive à queles relacionados à saúde das crianças e adolescentes, como também à saúde da mulher e da gestação, como pode ser exemplificado em diversos estudos de relevância nacional e internacional.(1,2,3,4,5,6,7,8, 9,10)
O sucesso da Estratégia Saúde da FamÃlia está baseado em um modelo que guarda referência aos atributos da Atenção Primária à Saúde de qualidade. As ações de cuidado da ESF são desenvolvidas por uma equipe com médicas/os, enfermeiras/os, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde. São pautadas no conhecimento e cuidado longitudinal do território, das famÃlias e pessoas que habitam no mesmo, numa perspectiva de atenção integral.
Neste sentido, a participação de outros especialistas, ou outras profissões da saúde, na ESF pode e deve ser realizada nas equipes dos Núcleos Ampliados de Saúde da FamÃlia – NASF, que são conformadas de acordo com o perfil epidemiológico da população adscrita. Uma equipe de NASF pode apoiar o trabalho de equipes de SF, em uma proporção idealmente de 4 a 6 equipes de SF para uma de NASF. Isto permitiria a incorporação de cerca de 7.000 Pediatras e Gineco-obstetras, no cenário atual.
Enquanto o Governo Federal tenta explicar sua proposta, ignora o acúmulo de evidências, mais pronunciadamente desde a década de 1960, que apontam que médicas e médicos especialistas em APS – os/as Médicos/as de FamÃlia e Comunidade – obtêm melhores resultados de saúde do que vários especialistas atendendo uma mesma pessoa. Deixam de observar a evolução da saúde no Brasil com a instalação, aperfeiçoamento e expansão da Estratégia Saúde da FamÃlia, da lógica de Redes de Atenção à Saúde e com o aprimoramento da gestão da educação em saúde. Com base nas melhores evidências mundiais, o estado brasileiro tem investido nas últimas décadas na qualidade para formação de Médicas e Médicos de FamÃlia e Comunidade com a expansão de programas de residência médica e investimento na Atenção Primária à Saúde, mesmo ainda bem abaixo das metas desejadas, enfrentando grandes desafios como a disputa por recursos no orçamento, a implantação de limites de investimento na saúde (EC 95) e o pensamento retrógrado que sempre se apresenta, de várias formas, tentando resgatar a fragmentação da assistência, modelos com menor eficiência e eficácia.
Médicas e Médicos de FamÃlia e Comunidade qualificados, com trabalho em equipe, com o apoio da SBMFC e de polÃticas abrangentes de investimento na qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil conseguiram nos últimos anos reduzir a mortalidade infantil, reduzir o número de internações hospitalares e ampliar a cobertura do acesso à saúde, inclusive nas partes mais distantes dos grandes centros, mais carentes de recursos em geral. Estes resultados são observados também em estados e grandes cidades que investiram na Estratégia Saúde da FamÃlia e na formação e fixação de médicas e médicos de famÃlia e comunidade. A comparação com o modelo anterior, muito parecido com o proposto pelo programa apresentado hoje pelo MS, mostra a superioridade da Estratégia Saúde da FamÃlia com especialistas em APS bem formados.
Ao invés de reavivar polÃticas e modelos ultrapassados, é preciso reafirmar o modelo Estratégia Saúde da FamÃlia como sendo mais custo-efetivo, de eficácia demonstrada, com maior impacto inclusive na redução de internações hospitalares por condições sensÃveis à atenção primária, conforme descrito em extensa literatura cientÃfica.
É importante ressaltar que não nos opomos a presença das especialidades médicas em questão em arranjos em que apoiam as equipes de saúde da famÃlia no cuidado à s pessoas, na lógica de matriciamento em saúde ou cuidado compartilhado. Já era possÃvel a presença de Gineco-obstetras e Pediatras nas equipes dos NASF, sendo que o Governo Federal justamente extinguiu o financiamento especÃfico para estes Núcleos em 2019.
Entendemos que o fortalecimento e a qualificação progressiva da ESF e do NASF (ao contrário do desmonte que tem sido apontado nos últimos anos) é a melhor forma de expandir a APS, sem fragmentação do cuidado.
Consideramos um grande equÃvoco que, mais uma vez, polÃticas do Governo Federal tendem a reforçar o paradigma biomédico no âmbito da APS, desconsiderando a sua complexidade do cuidado, não respondendo à s demandas apresentadas em um cenário onde cada vez mais pessoas estão em situação de vulnerabilidade. Devemos construir polÃticas públicas que também sejam direcionadas pela determinação social do processo saúde-doença e pelo enfrentamento ao racismo, LGBTfobia, à desigualdade de gênero e a tantas violências que estão presentes na realidade da nossa população.
Fortalecer e investir na Estratégia Saúde da FamÃlia é o caminho certo para dar continuidade à reforma do sistema de saúde brasileiro, como já fartamente evidenciado, garantindo o Sistema Único de Saúde universal e do tamanho que a população do Brasil precisa.
Frente pela Vida
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES
Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Cebes
Federação Nacional dos Farmacêuticos – FENAFAR
Rede Unida
Rede de Pesquisa em APS
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Sociedade Brasileira de Medicina de FamÃlia e Comunidade – SBMFC
Referências:
- Macinko, J. – ATENÇ?O PRIMARIA À SAÚDE: ESTRATÉGIA CHAVE PARA A SUSTENTABILIDADE DO SUS BRASIL – http://isags-unasur.org/wp-content/uploads/2018/05/aps2018macinko-1.pdf
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