Vale do Javari: a sensível Tríplice Fronteira desconhecida
Carlos Tautz, doutorando em História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Comissão de Meio Ambiente da ABI, explica no artigo a seguir a situação geopolítica do Vale do Javari, local de desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Phillips, do The Guardian. É um local que exige atenção especial do Estado brasileiro pois, segundo Tautz, é um local de livre trânsito de grupos armados. O artigo foi originalmente publicado na página da Associação Brasileira de Imprensa. Leia na sequência:
Desconhecido da maioria dos brasileiros, o Vale do Javari se transformou, nos últimos anos, na região de maior sensibilidade política internacional na porção brasileira da bacia amazônica. O desaparecimento do brasileiro Bruno Pereira e do inglês Dom Phillips, pela atenção que já despertou, pode ajudar a jogar luzes sobre o problema para o qual as autoridades brasileiras, e em especial as Forças Armadas, fecham irresponsavelmente os olhos.
No Vale do Javari há a maior concentração mundial de indígenas em auto-isolamento. Mas, apesar dessa situação, que já requereria uma complexa intervenção do Estado brasileiro para garantir a segurança do território e de seus habitantes, traficantes do Brasil, do Peru e da Colômbia operam naquela região sem qualquer restrição e vivem a assassinar indígenas que “ousam” defender seus territórios. Como têm acesso livre, outros grupos armados da Colômbia e do Peru transitam livremente no Vale e os funcionários da Funai que ali trabalham recorrentemente são obrigados a abandonar seus postos, por insegurança.
Foi exatamente no Vale do Javari – onde se tocam as fronteiras do Brasil, da Colômbia e do Peru, em 2017, durante o governo de Michel Temer, que o Exército Brasileiro realizou operações conjuntas com os Exércitos do Peru e da Colômbia, além das tropas do Comando Sul do Exército dos EUA, na chamada Operação Amazonlog. O “motivo” do exercício: treinamento “para desafios e deslocamentos de assistência humanitária e para responder a desastres naturais em todo o continente”. Esse treinamento representou a primeira vez na história que o Exército dos EUA esteve legalmente em um operação na Amazônia brasileira.
É necessário o Brasil ter governos comprometidos com a segurança nacional brasileira, e o Vale do Javari requer ocupação estatal, para evitar que se repita ali a estigmatização esperta que os EUA tentam fazer, por exemplo, na Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina como terra de ninguém, onde operariam livremente grupos terroristas.
Para além da necessidade de encontrar o jornalista e o indigenista o quanto antes, também é necessária atenção para essa dimensão estratégica do problema.