No Cebes Debate, um alerta à tentativa de sequestro de pautas e lutas feministas pela direita política
No último dia 12 de Setembro, o Cebes promoveu uma discussão sobre como movimentos feministas passaram por processos de reavaliação e aprendizagem nos últimos anos para conseguir fazer frente ao avanço da direita na política brasileira. Segundo as debatedoras Ana Costa, diretora do Cebes, e Nalu Farias, psicóloga e militante feminista desde 1980, as ativistas “aprenderam muito” nos últimos anos. Hoje, os esforços são para derrotar Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022 e reforçar a luta coletiva das mulheres por direito, ante a captura do neoliberalismo das lutas femininas. “O feminismo tem que ser parte desse projeto coletivo de transformação (da sociedade)“, disse Nalu em suas considerações finais da conversa. Você pode ver o debate Por um feminismo socialista, antipatriarcal e anticapitalista na íntegra neste link.
A diretora do Cebes Ana Costa lembrou que as mulheres, juntamente com a juventude, serão decisivas nessa disputa eleitoral. “Somos a maioria dos que reprovam o Bolsonaro“, disse. Segundo ela, a maior diferença da campanha eleitoral deste ano ante as anteriores é que movimentos sociais feministas anteciparam o apoio a um candidato já no primeiro turno, quando o normal era decidir esse posicionamento apenas no segundo turno. “A gente entende que tem uma disputa aqui pelo Estado democrático contra o fascismo“. Ao mesmo tempo, ela cobrou que o candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva reafirme compromisso “não só com as mulheres, mas com a pauta feminista“. Na sua avaliação, um avanço significativo da chapa Lula-Alckmin foi a entrada de Marina Silva na frente ampla de apoio porque a defesa do meio ambiente também faz parte da luta dos direitos do sexo feminino, assim como a revogação da PEC 95 – também conhecida como Teto de Gastos. “São pautas que dão mais significados à vida das mulheres“.
Em Maio, Nalu Farias entregou a Lula o documento Proposta dos Movimentos Populares: Superar a Crise e Reconstruir o Brasil, que pode ser acessado nesse link. Segundo Nalu, a construção da publicação só foi possível pela convergência e organização de movimentos sociais. “Foi fruto do que aprendemos durante a campanha Fora Bolsonaro“. Nalu Farias ressaltou que os movimentos feministas avançaram muito na “compreensão da importância da nossa unidade, da nossa construção articulada“. “Não é que nós não tenhamos contradições. A gente enfrenta o patriarcado e machismo também dentro dos movimentos sociais“, ressaltou. Para ela, a luta política hoje é de “construção de sujeitos políticos” para desmantelar o patriarcado e machismo. E esse seria um esforço tanto das mulheres, quanto do povo negro, da população LGBTQIA+ e outros movimentos.
Tanto Ana quanto Nalu criticaram o “sequestro de bandeiras” do empoderamento das mulheres nessas eleições, por candidatas como Soraya Thronicke. “O certo dela não envolve uma justiça social, uma nova sociedade com ampliação de direitos sociais. Esse feminismo de ter uma mulher no poder que trama com o capitalismo e o liberalismo não nos interessa“. Para a diretora do Cebes, as forças liberais capitalistas operam a favor da exploração do trabalho doméstico e sua reprodução social. “Nós somos uma parcela da população que, além de sair de casa para trabalhar e chegar com seu salário, é quem faz a sustentação da criação dos filhos, do funcionamento da casa, do cuidado à saúde de todo mundo, da alimentação“, disse. E completou: “para que nós estivéssemos aqui hoje, muitas mulheres, já estiveram trabalhando de uma forma oculta silenciosa e, na maioria das vezes não assalariada. E essa é uma bandeira feminista essencial que nós precisamos de trazer pra contabilidade desse mundo não discriminador das mulheres dentro de uma perspectiva feminista, que estamos nos localizando como feminista socialistas ou feministas radicais“. Segundo Ana, o feminismo socialista ou radical está fundado numa base marxista de construção e consideração de mais que a condição da mulher “mas também das classes sociais, das etnicidades, das condições de grupos sociais que criam desigualdade diferentes que têm que ser consideradas dentro dessa interseccionalidade“.
Durante o debate, Nalu lembrou do conceito apelidado pela Marcha Mundial das Mulheres de “maquiagem Lilás“, no qual empresas parecem que incorporam pautas feministas, mas, no final, apenas reforçam a competitividade entre as mulheres. “Desigualdade entre as mulheres é uma estratégia absolutamente conservadora“. A militante fez questão de reafirmar a importância de fortalecer “processos coletivos de feminismo” exemplificando com avanços conquistados pelo movimento em países da América Latina nos últimos anos. Nos últimos anos, Argentina, Chile e Colômbia descriminalizaram ou legalizaram a interrupção de gravidez. “É muito bom que o feminismo esteja nas redes na televisão e no Rock in, Rio. Mas ele não pode estar fragmentado dessa ideia de transformação da sociedade, de dar voz, de ouvir a voz das sujeitas políticas organizadas“.
“O feminismo é sustentado por nós mulheres da classe trabalhadora, mas eu não tenho a menor dúvida que as mulheres da elite ganharam mais com feminismo que as mulheres da classe trabalhadora pela sua dimensão de classe“, constatou Nalu. Sobre a luta feminista que trata apenas do ponto de vista de isonomia entre sexos, ela exemplificou: “se eu sou uma mulher da classe dominante, sou igual com um homem da classe dominante“. Por isso, reforçou Nalu, as mulheres não podem separar a luta por autonomia do próprio corpo, da luta contra a devastação ambiental, soberania alimentar, da sexualidade e outras agendas.
Veja na íntegra o Cebes Debate no link ou a seguir: