Conceição Evaristo: ‘O corpo da Nação brasileira está adoentado e precisando de cura’
O programa Cebes Debate do dia 19 de setembro teve a presença da premiada escritora Conceição Evaristo, mulher negra e ativista criadora do conceito escrevivência. A própria Conceição explica que este conceito tem na raiz uma imagem que lhe é muito grata e que, na sua opinião, é a própria imagem que constrói o Brasil. “É imagem da mulher negra escravizada no fundo da cozinha grande tendo que contar história para adormecer a prole da Casa Grande”, expressa a ensaísta e poeta. Hoje a escrita das mulheres negras não pretende adormecer mais a Casa Grande, pelo contrário, ela pretende acordar as pessoas da Casa Grande. De acordo com Conceição, este conceito pode ser abarcado por várias ciências, mas o que ela insiste, muito, é que a imagem que está no fundamento deste conceito.
Depois que recebeu o convite do Cebes para falar sobre a refundação do Brasil, Conceição Evaristo pensou muito no tema porque, segundo ela, refundar o Brasil seria passar o país a limpo, seria retomar toda a história brasileira tentando construí-la de uma outra forma. Na sua opinião, quando pensamos na fundação da Nação brasileira vemos um território que se funda sob o signo da violência, sob o signo de um povo explorando outros povos. A rigor, pensar em refundar o Brasil é deixar aflorar estas vozes que foram silenciadas.
A escritora enfatiza que fala nisso pensando não somente nas vozes dos africanos escravizados, mas das comunidades indígenas e de todos os grupos sociais que foram subalternizados. Refundar o Brasil seria pensar uma Nação democrática, onde tudo fosse de todos; seria pensar as vozes e os corpos que foram massacrados, humilhados, desapropriados não apenas de suas terras, mas de suas dignidades.
Lembrando o lema do Cebes, evocado pelo mediador no início do debate, Conceição questiona até que ponto estamos numa sociedade doentia. E conclui que se saúde é democracia e democracia é saúde, todo o corpo da Nação brasileira está adoentado e precisando de cura. Conceição afirma que, na sua concepção, tudo está ligado às lutas sociais e a uma literatura que pensa e que se realiza através da escrevivência. A escrita produzida por mulheres negras, por pessoas que não tem uma sexualidade heteronormativa, por indígenas, pelos pobres acaba fraturando o sistema literário que está marcado por uma normalização da língua portuguesa. Quem não escrever dentro de determinados parâmetros não é considerado fazendo literatura. Daí, um sujeito poético que não tenha feito, por exemplo, o primeiro ciclo do primeiro grau e não tiver como modelo o que a gramática determina, por mais que este texto provoque o outro, ele vai ser sempre um sujeito que está escrevendo à margem do que se chama a “grande literatura canônica”.
Conceição Evaristo provoca um questionamento: neste Brasil que se diz plurirracial, pluricultural, quais culturas, quais corpos estão inscritos naquilo que se pensa que seria uma democracia plena. Quais corpos estão inscritos na possibilidade da saúde para todos? Quais são os inscritos na possibilidade da doença, do maltrato, do mau atendimento. Conceição diz que a sua literatura tem a ver com isso na medida em que ela é a própria voz das mulheres negras. “Eu falo como as mulheres negras. Não estou intermediando voz de ninguém, porque esta voz de ninguém, que custa ser reconhecida, é a minha própria voz”;
A presidenta do Cebes, Lúcia Souto, participou da sala provocando uma série de reflexões à convidada e o mediador, José Noronha, encaminhava as perguntas de quem acompanhava o debate pelo chat do YouTube. Neste programa, o mediador inovou entremeando perguntas dos participantes com a leitura de versos poéticos de Conceição Evaristo, chegando a se emocionar após a leitura do poema “Da calma e do Silêncio”.
Ao final do programa, Conceição Evaristo disse que, mesmo não sendo obrigada pela lei a votar, pois tem 75 anos de idade, ela faz questão de comparecer às urnas nestas eleições que ela considera muito importante para o Brasil. Ela acha fundamental sua participação pois quer manter o seu grau de responsabilidade para o que possa acontecer doravante, pois cada pessoa que for votar sabe que estará participando de um momento histórico do Brasil e que cada um de nós é responsável pelo futuro do país.
Conceição rebateu as críticas que fazem quando afirmam que o povo escolhe errado e não sabe votar. Para ela, a inteligência e os intelectuais brasileiros vez em quando falam uma quantidade enorme de bobagem “que dá vontade de sermos um tatu e esconder debaixo da terra para não poder escutar o que é dito por aí”.
Veja o debate na íntegra no link ou a seguir: