Entrevista: Diretora da ACTbr fala da luta contra o tabagismo no Brasil

A Rede Aliança Contra o Tabagismo (ACTbr), juntamente com outras 13 entidades, encaminhou nesta segunda-feira, 17, uma carta à presidenta da República, Dilma Rouseff, solicitando a regulamentação da Lei Nacional Contra o Tabagismo. O Cebes é um dos signatários do documento (clique aqui para ler).

A Lei 12.546, aprovada em 15 de dezembro de 2011, estabelece  em seu artigo 49 alterações importantes para o avanço do controle do tabagismo no país, como a proibição do fumo em recintos coletivos fechados, e a proibição da propaganda comercial de cigarros e outros produtos fumígenos nos pontos de venda.

Contudo, apesar das pressões feitas por diversas entidades civis de proteção a saúde, até o momento o Executivo Federal ainda não publicou um texto regulamentando a questão, como também prevê o artigo 49 da legislação.

Com o intuito de saber mais sobre a luta contra o tabagismo no Brasil, o Cebes entrevistou a diretora-executiva da ACTbr, Paula  Johns. Ela é socióloga, mestra em estudos de desenvolvimento internacional pela Universidade de Roskilde (Dinamarca), presidenta do conselho diretor da Framework Convention Alliance (FCA) e acompanha as reuniões de negociação da Convenção-Quadro e de seus protocolos desde 2000.

Cebes – Quais são as principais consequências do vício do fumo e qual a situação do Brasil em relação ao impacto do cigarro na saúde da população?

O tabagismo é responsável por 6 milhões de mortes anualmente em todo o mundo. Somente no Brasil são 130 mil mortes evitáveis anualmente. O Brasil já avançou consideravelmente e têm um conjunto de medidas comprovadamente eficazes na redução da epidemia. Graças a essas medidas, que vêm sendo adotadas ao longo das últimas duas décadas, conseguimos reduzir a prevalência de fumantes no país em 50% em 20 anos e também evitar a iniciação numa parcela significativa de jovens. Ainda assim, temos algo entre 20-25 milhões de brasileiros que ainda fumam, uma quantidade grande de adolescentes e jovens que começam a fumar diariamente, e temos medidas eficazes que não foram implementadas integralmente. Corremos o risco de chegar num ponto de estagnação na redução da prevalência caso não deixemos de adotar novas medidas e/ou implementar as já existentes.

Cebes – Quais foram os avanços da aprovação da Lei 12.546/2011? Houve retrocessos?

Excelente pergunta! De certa forma, tanto os ativistas em controle do tabagismo como a indústria do tabaco comemoraram a aprovação da lei. Explico, a lei 12.546/11, que alterou a lei 9.294/96, foi negociada através de uma medida provisória (MP 540/11), que tratava do projeto Brasil Maior desonerando alguns setores da economia e aumentando os tributos de produtos do tabaco. No artigo que tratava dos impostos de cigarros, foram inseridos uma série de outros temas referentes ao controle do tabagismo, o chamado contrabando legislativo. O texto original da proposta, com a inserção dos temas ambientes livres de fumo, restrição de aditivos nos cigarros, ampliação das restrições à publicidade e imagens de advertência, foi nitidamente esboçado sob influência da indústria do tabaco, pois além de significar um retrocesso em algumas áreas, em outras deixava brechas ou passava a permitir no texto da lei algumas formas de publicidade (como publicidade, promoção e patrocínio corporativo dos fabricantes). Além disso, enfraquecia e anulava duas resoluções da Anvisa que estavam em processo de consulta pública na ocasião (CP 117 e CP 112), a CP 117 tratava justamente da proibição da exposição das embalagens no ponto de venda e inseria uma frase de advertência na outra face, a CP 112 tratava da proibição dos aditivos nos cigarros. No caso do parágrafo sobre aditivos, contrabandeado na lei, que era um retrocesso expresso, conseguimos que fosse retirado do texto da MP na plenária em que foi votado, graças ao apoio de parlamentares alinhados com a saúde. Ainda que o Congresso Nacional tenha retirado esse tema da pauta, entendendo que um tema técnico como esse seria prerrogativa da Anvisa, que tem o mandato para regular produtos de tabaco, a CNI está contestando a RDC 14/2012 (fruto da CP 112) no Supremo Tribunal Federal através de uma ADIN, alegando que a RDC é inconstitucional pois esse papel deveria ser do legislativo. No momento a RDC está suspensa por uma liminar, dada de forma monocrática pela Ministra Rosa Weber, que beneficia a indústria do tabaco e impediu a entrada em vigor da medida, que já estaria vigente há seis meses. Enquanto isso, milhares de adolescentes brasileiros se iniciam no tabagismo com os cigarros de sabor, principalmente os mentolados.

Cebes – Qual a importância de combater a propaganda comercial de cigarros e outros fumígeros nos pontos de venda?

Publicidade de produtos de tabaco é como um vazamento de gás, não adianta deixar um buraquinho aberto, a vedação precisa ser completa. Há uma quantidade enorme de evidência nacional e internacional nessa área e há um tratado internacional, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, ratificado pelo Brasil, que recomenda a proibição total de publicidade, promoção e patrocínio. A medida de excelência em proibição de publicidade é a que foi implementada pela Austrália, através da adoção de embalagens padronizadas de cigarros, onde o nome da marca fica preservado, mas onde não há logos ou qualquer outro tipo de propaganda através da embalagem.

Cebes – Embora a Lei tenha sido sancionada há mais de dois anos, o Executivo Federal ainda não editou um texto que regulamentasse a Lei. Por que isto ainda não foi feito?

Mais uma vez ótima pergunta! É a mesma pergunta que vimos fazendo ao governo desde então. O Ministério da Saúde diz que o texto regulamentador, que supostamente estaria impecável juridicamente, seja lá o que isso significa, está na Casa Civil, a Casa Civil por sua vez diz que é uma negociação política e que o Ministro da Saúde deveria pautar o tema diretamente com a presidência. Temos alguns bons motivos para achar que existe influência da indústria em alguma esfera, pois o decreto regulamentador do trecho da lei sobre impostos, que conforme será descrito na próxima pergunta, foi elaborado com a anuência das duas maiores empresas de tabaco do Brasil, já foi regulamentado duas vezes, e os outros parágrafos ainda não. Em termos técnicos não há dificuldade nenhuma em regulamentar essa lei, pois já temos exemplos até nacionais, não é necessário inventar a roda, a lei antifumo de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Paraná, entre outras lei municipais já respondeu e lidou concretamente com as perguntas que a Casa Civil ainda se faz até hoje sobre questões técnicas.

Cebes – Além de coibir a propaganda dos cigarros e demais fumígeros em veículos de comunicação, a Lei estabelece que aos preços básicos do cigarro será incorporada uma alíquota de 300% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Essa medida tem sido eficiente no combate ao tabagismo?

Essa medida é importante e bem vinda, no entanto não encontrou resistência por parte das duas empresas responsáveis por aproximadamente 85% do mercado no Brasil. A modificação no sistema ajudou a Receita Federal a acabar com as pequenas empresas que sonegavam impostos, isso foi bom para as empresas maiores. Além disso, o aumento de preços e impostos é uma medida que estava completamente desatualizada no Brasil. A inflação e o poder aquisitivo do brasileiro nos últimos anos aumentou muito acima dos preços de cigarros. No momento temos aumentos previstos até 2015, o que é positivo, mas apesar do avanço, cigarros ainda são relativamente baratos no Brasil. Numa análise comparativa internacional para investidores feita pelo Banco MerrillLynch em março de 2014, onde o preço de um maço de cigarros é comparado ao preço de um Big Mac, o Brasil se destaca no quesito acessibilidade, veja o gráfico abaixo.

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Cebes – As medidas de combate ao tabagismo foram inseridas em uma legislação maior que trata de impostos e contribuições previdenciárias. Um assunto de saúde pública não deveria ser tratado em uma lei específica?

Pois é, conforme mencionado acima, esse foi um contrabando legislativo. Como PLs apresentados pelo poder legislativo podem demorar décadas para tramitar, e existem algumas dezenas de projetos com temas relativos ao controle do tabagismo, inserir temas em medidas provisórias é prática corrente. No caso do aumento de preços e impostos de cigarros, além de ser uma medida tributária é também uma medida de saúde pública.

Cebes – Ao longo desses dois anos, diversas associações civis se reuniram com o então Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e com representantes da Casa Civil. O que foi discutido nesses encontros e quais foram os avanços?

Discutimos o mérito da lei e demonstramos o apoio popular e de mais de uma centena de entidades da sociedade civil organizada das mais diversas áreas de atuação a regulamentação imediata da lei. Muitas promessas foram feitas, e nenhuma cumprida. Dado o histórico de interferência indevida da indústria do tabaco tanto na proposição original do texto da MP 540, e vinte anos atrás também de interferência no decreto regulamentador da lei 9.294/96, que enfraqueceu o texto da lei que o originou por ação do lobby da indústria do tabaco, na ocasião através de associações de bares e restaurantes financiadas pela indústria. Pleiteamos transparência e acesso na elaboração do decreto regulamentador. O que nos preocupou foi ouvir argumentos que questionavam a constitucionalidade da lei assustadoramente similares aos argumentos promovidos pela indústria e que não encontram respaldo algum na prática.