Favelas e periferias fazem Conferência Livre e defendem a saúde como bem público fundamental
A Conferência Livre das Favelas e Periferias do Rio de Janeiro, realizada no sábado, dia 03 de junho, é um desdobramento, dentro de um mosaico de fatores, das Conferências Livres, Democráticas e Populares realizadas desde o ano passado, organizadas pelo Cebes no âmbito da Frente Pela Vida. A declaração é do coordenador do evento, André Lima, para quem a experiência da Conferência Livre, Democrática e Popular da Leopoldina, realizada em 2022, trouxe aos seus organizadores a necessidade de se ampliar o debate sobre as favelas e periferias do Rio de Janeiro.
– Muitos de nós estávamos envolvidos nas conferências Livres que elegeram delegados e formularam propostas que serão debatidas na 17ª CNS. Daí, entendemos que mesmo sendo uma conferência local (Região Metropolitana do Rio de Janeiro), sem possibilidade de eleição para delegados, a experiência do debate em torno da saúde nas favelas e periferias precisa ser ampliado, e por isso a realização da nossa conferência no sábado, disse André, integrante da diretoria executiva do Cebes.
A ideia é que este processo não se encerre em si mesmo, mas ecoe com desdobramentos das discussões nos diversos canais envolvidos, com destaque para o Radar Saúde Favela, como também nos espaços de informação e comunicação dos demais parceiros. Para a 17ª CNS, uma parte da comissão organizadora da conferência de favelas está envolvida em uma atividade autogestionada, proposta pelo CEBES intitulada “Nas teias da Saúde: Promoção de Saúde nas Favelas e Periferias Urbanas”. André ressaltou que a coordenação busca organizar uma caravana, não apenas com aqueles que conseguiram vagas de delegados no processo conferencial, como também com os convidados que pretendem mobilizar.
A Conferência realizada no campus da UERJ contou com a presença e participação de mais de 200 pessoas, lideranças e moradores de favelas da Zona Oeste, Zona Sul, Zona Norte, Leopoldina, Centro da cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. Dai Medeiros foi uma das primeiras lideranças que deram seu depoimento. Segundo ela, os direitos básicos da população favelada e periférica seguem sendo assolados pelo racismo sistêmico e enraizado em todas as nossas estruturas sociais. Dentre estas, a segurança pública, programada pela política de morte para atacar o povo pobre e negro das favelas e periferias assim como os povos indígenas por todo o Brasil.
Dai Medeiros é uma ativista do Projeto Casa, localizado na Favela do Aço, em Santa Cruz, além de integrar o movimento Mulheres Vivas, da Zona Oeste. Para ela, o Brasil e o Rio de Janeiro precisam ser reconstruídos.
Dentre os participantes, estavam a ex-deputada Monica Francisco, o Coordenador do Grupo ECO, Itamar Silva, do Morro Santa Marta, o presidente do Cebes, Carlos Fidelis, e a chefe da Assessoria de Participação Social e diversidade do Ministério da Saúde, Lúcia Souto, que falou sobre a importância daquele evento para a reconstrução do Brasil, neste momento tão fundamental para a democracia brasileira. Lúcia disse que a conferência das favelas e periferias expressa o vigor da sociedade brasileira no processo de mobilização para a 17ª Conferência Nacional de Saúde.
Com cerca de 250 inscritos, a Conferência reafirmou a importância da participação popular no processo de (re)construção do país, colocando o direito à vida em primeiro lugar na consecução de todas as políticas e um Sistema Único de Saúde, democrático, descentralizado, gerido com base técnica e soberania popular, que reconheça outros saberes e práticas curativas para além da biomedicina, de modo que seja constituída uma ação que contemple em qualidade e acesso os grupos populacionais vulnerabilizados.
“Ter uma conferência de saúde com o debate voltado para o direito ao acesso do SUS em periferias e comunidades têm uma extrema importância, ainda mais na atualidade, onde a gente viveu anos em pandemia e mais o desmonte do SUS por causa de questões políticas, então é preciso que a voz da comunidade chegue. O SUS é do povo para o povo, então é o espaço onde a gente vai colocar nossas demandas que vai para a conferência nacional, que é onde é discutido o debate de política pública de saúde”, disse Lúcia Cabral, assistente social e coordenadora da ONG Educap – Complexo do Alemão.
O presidente do Cebes, Carlos Fidelis, disse que o apoio da entidade à Conferência Livre das Favelas e Periferias reflete o reconhecimento daqueles que querem construir um novo país; um Brasil sustentável, soberano, inclusivo e solidário. Para Fidelis, todo este acúmulo das conferências livres vai permitir um grande ato político de construção e apoio à democracia, durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde, em julho.
Carlos Fidelis destacou que das mais de 100 conferências preparatórias para a 17ª, realizadas em todo o país, o Cebes teve participação direta ou indireta em mais de 20 por cento delas.
A iniciativa da Conferência Livre de sábado nasceu da mobilização de diversas organizações em torno do tema da promoção da saúde nas favelas e periferias: o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes); o Grupo ECO, do Morro Santa Marta; a Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste; o Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção do Complexo do Alemão (Educap); o Portal Favelas; a Organização Redes da Maré; a Organização Mulheres de Atitude (OMA Manguinhos); o Jornal Fala Manguinhos; o Fórum de Pré-Vestibulares Populares do Rio de Janeiro (FPVP-RJ); o Espaço Gaia São Gonçalo; a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ); o Levante Popular da Juventude; o Movimento Mulheres Vivas Zona Oeste, o coletivo Teia da Solidariedade, de Santa Cruz e o Fórum Favela Universidade (FFU). A Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, a partir do projeto de Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis em Centros Urbanos (PTSSCU) e o informativo Radar Saúde Favela; o Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (ASFOC-SN); a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) e o Pré-Vestibular Social do Sintuperj são parceiros e apoiadores da atividade.
A Asfoc (Associação Nacional dos Funcionários da Fundação Oswaldo Cruz) teve uma participação ativa na construção desta etapa popular no Rio e seu representante, Paulo Henrique Scrivano Garrido, o Paulinho, destacou que estas conferências livres são muito importantes para a formulação das políticas públicas em defesa da melhoria da qualidade de vida em busca da cidadania plena.
A conferência das favelas e periferias foi marcada também por apresentações artísticas e culturais. O coletivo de mulheres, “As MariAmas”, de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, fez uma dinâmica de mobilização e chamamento para o engajamento de todos e todas.
A poeta e escritora popular Celeste Estrela também animou a todos e todas presentes à conferência, com a declamação de seus poemas reunidos em um livreto que ela exibia com muito orgulho para todas as pessoas. Como ela mesmo se definiu em certa ocasião, sou Celeste Estrela, mulher, preta, favelada, poeta, atriz, compositora, rapper, e integrante da velha guarda da Escola de Samba Unido de Manguinhos. Tenho 82 anos de idade, mineira, fui trazida para o Rio de Janeiro ainda criança, cheguei primeiramente na Favela do Caju, sendo uma das famílias removidas para a ponte Rio-Niterói. Cresci na Favela de Manguinhos onde resisto e resido há mais de quarenta anos. Trabalhei em casas de família para criar minhas filhas e netos, como cobradora de ônibus na antiga CTC e publiquei minha primeira poesia em 1986, na antologia “Nova Poesia Brasileira”
Também houve momentos fortes com depoimentos de lideranças que apontaram atos de racismo no atendimento à população preta das periferias. A denúncia foi feita por Sara Rubia, representante do grupo Teia da Solidariedade, que narrou um episódio dramático envolvendo uma criança de 16 anos no bairro de Santa Cruz.
A Conferência das Favelas e Periferia se relaciona diretamente aos debates instituídos pelo processo da 17ª Conferência Nacional de Saúde, que acontecerá em julho de 2023, especialmente nos eixos I – O Brasil que temos, O Brasil que queremos e III – Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia.
Ao final, o coordenador André Lima anunciou a continuidade da mobilização popular para o segundo semestre: “almejamos envolver os que participaram nesta conferência em um debate sobre Ambiente, Saúde e Emergências Climáticas, visto que os moradores de favelas e periferias dos Centros Urbanos brasileiros estão em grave situação de vulnerabilização, e por conseguinte, de agudização de processos adoecedores”, afirmou André.