Laroyê! Aprendendo com as ruas e encruzilhadas

A invenção de um Brasil que a gente quer passa por uma ampla discussão sobre o direito à rua, à cidade e aos corpos” (Luiz Antônio Simas) 

O que passa pela rua? Os sentidos da vida e a compreensão das experiências compartilhadas foram tema do Cebes Debate da última segunda, 5, com o escritor, historiador e compositor Luiz Antônio Simas.  

Em tempos de exaltação de figuras e elementos que remetem ao passado escravista e colonial do Brasil, a discussão sobre nossas origens e a reinvenção, ou mesmo criação do país que queremos passa inevitavelmente pelo debate de questões centrais que têm sua origem nas ruas e encruzilhadas. “Entendemos a saúde não apenas dentro do conceito de ausência de doença, mas também todos os condicionantes que levam a uma vida saudável, entre eles a ausência do medo”, pontuou o presidente do Cebes Carlos Fidelis.  

Compreender o que passa pelas ruas através do domínio dos corpos e das subjetividades é um caminho para construção de um país que nunca existiu, pois ainda vive a lógica da colonialidade como base das relações sociais. Para Simas, a projeção do Brasil numa dinâmica de exclusão, espoliação, domesticação dos corpos, genocídio, apagamento de saberes não brancos faz parte de um projeto que deu certo dentro da perspectiva exploratória.  “A exclusão social no Brasil não foi resultado de algo que deu errado, mas de algo que deu certo dentro da lógica da colonialidade”, explicou. “O colonialismo é datado com a chegada dos portugueses, já a colonialidade é o que permanece”. 

Uma das questões levantadas por Simas para explicar a lógica da exclusão marca da própria Proclamação da República e da abolição da escravatura em contextos muito próximos. “A república propõe uma modernização das estruturas políticas, mas não acompanha as questões que envolvem o exercício da cidadania e a inserção social”. 

“A influência da escravidão não se desenraiza num dia.” – Joaquim Nabuco – O abolicionismo, 1883

Essa ausência de políticas de inserção é uma raiz importante no atual retrato da sociedade brasileira que limita o acesso à cidadania nos mais diversos níveis, entre eles, a saúde. “O fenômeno mais contundente da formação social brasileira é o da escravidão. Precisamos considerar que qualquer translado inserido num contexto de violência física e simbólica, aniquila identidades, quebra laços de solidariedade, rede de proteção social e sentido de pertencimento”, explicou o professor. “A violência da diáspora não é apenas aquela física, mas também a violência simbólica da aniquilação do sentido de pertencimento”. 

O sentido de coletividade encontrado em contextos sociais é compreendido por Simas como uma das formas de resistência e reinvenção do sentido da vida. “Se toda diáspora aniquila e fragmenta, a cultura dela reinventa o sentido comunitário. Não há nenhuma cultura de diáspora que não seja coletiva. Basta pensarmos numa escola de samba, numa malta de capoeira, um terreiro de candomblé… “ 

Para tratar a cultura de rua, Simas utiliza o conceito de “fresta”, compreendendo que o Brasil enquanto estado é “um muro alicerçado na ideia da exclusão”, entretanto, todo muro tem suas fendas, rachaduras e porosidades e é por aí que se criam os sentidos coletivos de vida com a ideia de pertencimento. 

Portanto, desconsiderar as ruas enquanto espaços de construção de sentidos não permite a discussão de políticas que permitam a inclusão social e a busca por uma sociedade norteada pela justiça social e respeito aos direitos fundamentais. “Temos uma tarefa urgente de combate ao fascismo e ao ímpeto de morte trazido por este pensamento. Precisamos preservar as miudezas da rua, as experiências coletivas, pois a construção de um Brasil que honre a brasilidade é um discurso coletivo”, concluiu o professor Simas. 

Este Cebes Debate contou com a participação do presidente Carlos Fidelis, do professor Itamar Lages, do núcleo do Cebes em Pernambuco e a mediação do diretor José Noronha. 

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