Entre tráfico, milícias, polícias e igrejas: quem manda nas nossas cidades?
Cebes promoveu no dia 13 de novembro um debate necessário com o jornalista Bruno Paes Manso para compreensão das dinâmicas sociais da atualidade. O diretor do Cebes, André Lima, também participou da conversa. Texto de Fernanda Regina, jornalista do Cebes.
A trajetória do Brasil é marcada historicamente pela fé e pela violência. São aspectos que fazem parte de nosso passado colonial e ainda permeiam comportamentos e pensamentos da sociedade.
Para o jornalista Bruno Paes Manso, autor de A Fé e o Fuzil – crime e religião no Brasil do século XXI e A República das Milícias – dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, o país possui uma busca permanente ao longo do período histórico para compreender o que o encontro do povo escravizado da África, com europeus e os povos originários produz no campo dos conflitos e relações entre as classes. “Entrei nessa discussão pela segurança pública e pelo crime”.
Bruno destaca em seu estudo a chamada “epidemia de homicídios” que ocorreu na cidade de São Paulo na década de 1990. “São Paulo chegou no final dos anos 90 quase cem chacinas por ano, tinha mais de 60 homicídios por cem mil habitantes na grande São Paulo. E era sempre apontada como uma das áreas mais violentas do mundo”, relata. “O que mais me impressionava é que os homicídios vinham crescendo na cidade há 40 anos, como se fosse um comportamento contagioso”.
Bruno explica que o fenômeno era produzido a partir de “ciclos de vingança” devido à inexistência de autoridades políticas capazes de estabelecer um estado de direito. “Quando comecei a fazer meu mestrado e doutorado, os homicídios começaram a cair em São Paulo, caíram por 20 anos seguidos e não tinha nenhuma iniciativa de política pública relevante que indicasse um caminho político”.
Com a constatação apontada pelos dados, Bruno relata que passou a observar a atuação do PCC (Primeiro Comando da Capital) e na articulação que o grupo realizava de dentro das prisões, o que os levou a se tornar uma agência reguladora do mercado criminal paulista. “Eles estabelecem regras, normatizam a concorrência, tornam o mercado das drogas mais profissional, e os traficantes acessam o mercado atacadista e passam a distribuir drogas para o Brasil inteiro, São Paulo inteiro e para diversos continentes do mundo”, explica. O PCC desconstruiu o “discurso da vingança” e construiu um novo que mudou comportamentos a partir do crime.
Com relação à religião, Bruno comenta que em embora o universo religioso e criminal esteja em universos opostos, em comunidades mais pobres, com escassez de políticas públicas, sofrimento e violência policial, que permite ao crime fazer uma massa de manobra, existe a presença das igrejas evangélicas como oportunidade de reingresso a uma vida em sociedade.
O diretor do Cebes, André Lima lembrou o fato de que nas últimas eleições, determinadas candidaturas não podiam circular com facilidade em alguns territórios da cidade do Rio de Janeiro. “A gente assistiu isso nas últimas eleições para presidente. Nós fomos para um ato pró Lula em determinada comunidade do complexo de Manguinhos e recebemos a sugestão de tirarmos os adesivos, pois não poderia haver essa atividade, que inclusive seria privada”.
André ainda trouxe a relação que ocorre em determinadas comunidades entre o tráfico e religiões neopentecostais, o que impactou inclusive, no fechamento de diversos terreiros e espaços de religião de matriz africana. “Vale dizer que um dos lemas do Comando Vermelho era fé em deus”.
A conversa completa sobre este assunto está no Cebes Debate que foi ao ar na última segunda (13) e está disponível no canal do Cebes no Youtube. Assista também a seguir: