8 de Março: A luta por direito à saúde, atenção integral e autonomia das mulheres no Brasil

Neste artigo, a diretora do Cebes Ana Maria Costa explora os desafios e conquistas das mulheres na área da saúde, desde a criação do PAISM até a luta pelo aborto legalizado.

Os dias 8 de março sempre nos convocam a refletir sobre a condição feminina, nossas conquistas e desafios frente ao Estado, aos governos e à sociedade. Não há dúvida que de onde fomos jogadas e submetidas na hierarquia de poder, andamos muito. Mas, mesmo assim, há ainda um longo caminhar que abrange as esferas legais, econômicas, culturais e tantas outras.

Refletindo sobre a saúde e a medicina em particular, o corpo e a identidade da mulher nunca foram motivo do respeito merecido e necessário. Livros didáticos de medicina desde os primórdios ensinam barbaridades sobre as mulheres, confirmando o padrão do patriarcado na ciência do corpo e da alma.

Na prática do cuidado, a assimetria de poder é a marca da reafirmação da submissão das mulheres ao mandato médico. A medicalização sobre o corpo feminino espelha-se como efeito do incômodo e do desrespeito sobre nós como sujeitas e cidadãs.

Nos anos oitenta, além do movimento da reforma sanitária propondo o direito universal à saúde, o movimento feminista incidiu sobre a saúde das mulheres para mudar o foco materno infantilista que restringe a atenção em saúde aos aspectos da maternidade.

O PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) surge nesse contexto em 1983, sendo uma política de vanguarda porque propõe autonomia decisória nos assuntos reprodutivos, abordagem ampla por parte dos serviços acerca dos problemas e demandas femininas e mudança nas relações de poder entre mulheres e profissionais de saúde, cuja estratégia maior é a prática educativa que fornece ferramentas para a intervenção crítica das mulheres no processo do cuidado.

O movimento feminista celebrou a conquista e passou a ser parceiro e referência do movimento sanitário. Entretanto, a implementação real das mudanças propostas pelo PAISM e aperfeiçoadas na PNAISM (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher), política anunciada em 2003, tem sido dificultada tanto pelos fundamentalistas e religiosos quanto por um conceito focalizado e verticalizado sobre organização da atenção em saúde. Em consequência, fragmenta em diversos programas a atenção que se propunha integral em uma concepção que as mulheres têm múltiplas e distintas demandas e necessidades de saúde de acordo com idade, classe social, raça, etnia, orientação sexual e cultura. É por isso que os serviços e as redes de saúde devem estar prontos, aptos e organizados para atendê-las de forma resolutiva, integral e integradamente.

Urge retomar esse desafio que a meu ver rompe com o paradigma da focalização e fragmentação instituído na saúde.
Juntamente com todas estas questões de ordem organizacionais da atenção e do cuidado, temos que destacar um tema muito importante: o enfrentamento do aborto, este inquestionável problema de saúde pública. As mulheres têm direito negado ao aborto legalizado quando engravidam por ato de violência sexual. Não há serviços para cuidar dessas mulheres, meninas, jovens e a maioria negras.

Nunca tivemos serviços suficientes nem em número e nem na distribuição territorial. Inadmissível! O SUS precisa garantir acesso e atenção oportuna a essas mulheres em condição de sofrimento e vulnerabilidade.

Enfrentar o tema dos direitos das mulheres ao aborto de forma geral é imprescindível para a nossa democracia, para garantir a proteção e os direitos reprodutivos das mulheres. A América Latina tem avançado legalizando o aborto e o Brasil retrocedeu nos últimos tempos quando o Congresso se abarrota de parlamentares evangélicos, cujos mandatos estão ancorados na misoginia e contra o aborto.

Estamos elegendo prefeitos nos próximos meses e com isso vai se desenhando o perfil da próxima legislatura. Ampliar a consciência do voto é tarefa urgente para o campo democrático nacional. Hoje o voto está sendo definido nas igrejas fundamentalistas. Nossa democracia vai sendo mutilada e minguam as possibilidades de ampliar direitos reprodutivos.

Por isso fica aí um desafio para a sociedade e para o Estado brasileiro. Garantir a laicidade e ampliar o direito das mulheres ao aborto livre e seguro. Em nome da vida e da saúde das mulheres!