Liberdade é o melhor cuidado: Reforma Psiquiátrica resiste a retrocessos
Brasil tem 587 “comunidades terapêuticas” financiadas pelo poder público, número superior aos centros de apoio psicossociais.
No Dia da Lula Antimanicomial (18 de maio), os movimentos sociais querem ser ouvidos. “Precisamos que o governo dialogue e não apenas informe o que está fazendo. O movimento antimanicomial segue nas ruas, sustentando a Reforma Psiquiátrica”, afirma o enfermeiro Itamar Lages, diretor-executivo do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes).
A resolução 151/2024 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS/MDA), que negou o reconhecimento de comunidades terapêuticas como entidades de assistência social e sua vinculação ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), é um avanço, mas é urgente o fortalecimento da Saúde Mental como componente organizacional e assistencial do SUS.
O desmonte da RAPS, iniciado na gestão Michel Temer e intensificado no governo Bolsonaro, teve impacto no aumento de crises psiquiátricas, lesões auto provocadas e da população em situação de rua. O Brasil tem hoje 227 mil pessoas nas ruas. O sofrimento psíquico, isolamento social e desassistência em Saúde são fatores de risco para o desabrigamento.
“Defendemos radicalmente o cuidado em liberdade. Os espaços da atenção de rede de atenção psicossocial devem ser espaços de promoção da cidadania, em que as pessoas tenham liberdade de entrar e sair quando quiserem. A subjetividade delas, a concepção política e religiosa, deve ser preservada”, reforça o enfermeiro, mestre em Saúde Coletiva e integrante da luta antimanicomial.
Manicômios repaginados – Em janeiro de 2024, o Brasil tinha 587 “comunidades terapêuticas” financiadas pelo poder público, número superior aos centros de apoio psicossociais. Oito em cada dez têm ligações com organizações religiosas.
“A doença e o sofrimento psíquico são socialmente determinados, são produzidos e organizados política e economicamente. Há interesse, inclusive financeiro, de medicalizar o sofrimento, em gerir recursos e controlar pessoas”, afirma Itamar.
Denúncias de violações aos direitos humanos, como tortura, sequestro, cárcere privado e trabalho forçado foram confirmadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e do Conselho Federal de Psicologia (CFP), após vistorias em 28 comunidades terapêuticas de 11 estados.
Cuidado em Liberdade – “Nossa visão é que os espaços de tratamento devem ser centrados na integração dos pacientes, em momentos alegres, de diálogo, sem prescindir do necessário acompanhamento psiquiátrico, psicológico, de Enfermagem, de Serviço Social”, explica Itamar Lages.
“Os profissionais devem ajudar as pessoas a viverem plenamente, com seus limites, como em outros agravos. Várias ações que o setor Saúde pode fazer estão no campo da promoção da assistência, que podem ser feitas por equipes multiprofissionais e protagonizadas pelos usuários da assistência”, pondera.
Histórico – A reforma psiquiátrica remonta às ideias do italiano Franco Basaglia, que revolucionou, a partir da década de 1960, as abordagens e terapias no tratamento de pessoas com transtornos mentais. Em 1978, denúncias de profissionais da Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam/MS) sobre graves violações humanitárias em instituições psiquiátricas levou à demissão da maioria dos denunciantes.
Em 1987, foi fundado o movimento antimanicomial, trazendo o protagonismo dos usuários à luta pela Reforma Psiquiátrica, então encampada por profissionais da Saúde. A intensão pressão social levou à aprovação, em 2001, da Lei da Reforma Psiquiatra, que organiza a assistência em Saúde Mental no Brasil.
“Este ano estamos indo para 37 anos da Luta Antimanicomial. O movimento vem se fortalecendo, não obstante as grandes dificuldades que encontramos. O Cebes estava muito envolvido na construção da política de Saúde como um todo, mas muitos companheiros e companheiras participaram dessa luta. O Cebes entrou nessa luta definitivamente com apoio do presidente Paulo Amarante”, relembra. “Seguimos firmes”.
Reportagem: Clara Fagundes/Cebes