Por que pautar o Conselho Federal de Medicina pela ciência e ética?
Cebes debate o afastamento do conselho do seu papel regulador da boa prática profissional. Eleições deste ano podem mudar o CFM
Afinal, a quem serve o Conselho Federal de Medicina (CFM)? A pandemia de Covid-19 expôs conflitos importantes com relação aos princípios éticos e científicos. Desde a cloroquina à perseguição aos médicos do serviço de aborto legal, o conselho vem se afastando de seu papel de órgão regulador da prática da medicina, que deveria garantir o atendimento das necessidades da população.
Este tema é uma preocupação do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) e foi debatido na segunda-feira, 1º/7, pela presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBBioética), Elda Bussinguer (UFES) e Dirceu Greco (UFMG), membro do Comitê Internacional de Bioética da Unesco-Paris e integrante do comitê científico da SBB, com a mediação da médica Ana Costa, diretora-executiva do Cebes.
Um exemplo do extremismo que tomou conta do conselho é a Resolução CFM 2.378/2024, suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, que levou à interrupção temporária da assistência e está na origem do PL 1904, que criminaliza vítimas de estupro e profissionais de saúde por aborto após 22 semanas gestacionais. É uma resolução antiética, contraria as evidências, que impediria o acesso a cuidados de qualidade e afetaria negativamente os indicadores de Saúde Pública, segundo a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO).
A presidente da SBB, Elda Bussinguer, explicou que o CFM teve uma participação muito importante no processo de difusão e capilarização da bioética e da ética em pesquisa no Brasil, porém atualmente o Conselho Federal e os conselhos regionais vivem um momento dramático. “Importante dizer que nós estamos falando das pessoas que ocupam estes lugares, porque na realidade uma parcela importante dos médicos brasileiros continuam garantindo uma medicina baseada em evidências, continuam agindo numa perspectiva ética”, lembrou. “Mas o comando do Conselho Federal de Medicina, hoje, se distanciou absolutamente dos princípios éticos jurídicos com os quais deveria estar comprometido”.
Em sua natureza jurídica, o CFM é uma autarquia, portanto deve atuar de acordo com os princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. “Em nosso entendimento, ao se associar a um grupo político de extrema direita, de natureza fascista, a gestão do CFM fez uma opção, porque não foi sem uma deliberação, por romper com os princípios da administração pública”, apontou Elda.
Para a presidente, o conselho rompeu sua parceria Sociedade Brasileira de Bioética e assumiu outro posicionamento. “Todos nós acompanhamos o que vivemos durante a pandemia com a resolução Conselho Federal de Medicina ao assumir que não havia evidências científicas para usar cloroquina e hidroxicloquina e que os médicos não seriam julgados eticamente pela utilização desses dois fármacos”.
Esta decisão do CFM se pautava no princípio da autonomia médica, porém para Elda este princípio, embora muito importante, não pode se sobrepor à diretriz da evidência científica, que naquele momento estava colocada e inclusive reconhecida pelo próprio conselho. “Nesse sentido, o conselho validou experiências que transformaram as pessoas em cobaias humanas, como no caso da Prevent Sénior”, destacou.
Para Elda, ao assumir o discurso ideológico baseado na anticiência do ex-governo, o CFM produziu danos à medicina. “Nós vivemos a fase da precarização do trabalho médico, da pejotização do trabalho médico (…). Os médicos vivem um drama, porque muitos gostariam de se indispor contra esse negacionismo, contra essa ilegalidade, mas não têm força individualmente para lutar contra esse desmando que hoje está tomando conta do Conselho Federal de Medicina”.
Para o membro do Comitê Internacional de Bioética da Unesco-Paris e integrante do comitê científico da SBB, Dirceu Greco, a atuação do CFM foi uma sequência de decisões equivocadas, baseadas nos princípios da ultra direita, como a de se associar ao ex-presidente Jair Bolsonaro. “Nesse período eles saem da possibilidade de participar do Conselho Nacional de Saúde, que foi uma coisa péssima e bem difícil de resgatar”. Ele também lembrou a atuação do conselho durante a pandemia, com um processo de negação que alcançou até mesmo a vacinação.
Muda CFM – Dirceu destacou que esse é o momento ideal de mobilização para resgatar os princípios éticos que devem estar presentes no conselho. “Não é apenas tomar o conselho, o projeto é mudar o conselho, mudar modo que ele que ele cuida das pessoas, voltar ao está escrito no considerando do Código de Ética Médica, que o papel do CFM é zelar pela parte de cuidado, parte ética e pelo correto exercício da profissão médica”.
Para ele, a mudança no conselho será o primeiro passo para o resgate das necessidades deste momento. “Não só para dignidade médica, que é um papel importante que vamos ter que fazer no conselho, mas o mais importante é a dignidade do ser humano”, apontou.
A eleição dos conselheiros federais que irão compor o plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM) para os próximos cinco anos acontecerão nos dias 6 e 7 de agosto deste ano. Para Greco é fundamental que haja mobilização por parte de médicos interessados em transformar o atual modelo de gestão.
Para a Elda há esperança de que o remanescente de uma medicina ética justa e comprometida. “Tenho esperança que uma medicina comprometida com as bases do pensamento hipocrático e da ciência haverão de começar o processo e recuperar a dignidade da profissão”.
O debate completo está no canal do Cebes no YouTube:
Reportagem Fernanda Cunha/Cebes