Fidelis: ‘Sequestrado pelo rentismo, o Brasil não serve aos brasileiros’
O presidente do Cebes aponta que políticas de austeridade não são as únicas saídas possíveis para colocar a economia nos eixos
O Brasil caiu em uma armadilha que está travando a possibilidade de construirmos o país que sonhamos e merecemos. Me refiro à sinergia negativa entre a imposição arbitrária de um teto de gastos, sem relação com as urgentes demandas de população, e uma das mais elevadas taxas de juros do mundo. Um arranjo perverso que mina a nossa capacidade de reagir as crises, melhorar a qualidade da vida da população e garantir um futuro digno para as próximas gerações.
Complementando o quadro, a ação deletéria do Congresso Nacional, com suas pautas bombas e excrecências nada republicanas, como orçamento secreto, e um volume estratosférico de recursos para emendas impositivas. Uma degradação institucional que transforma o Legislativo em palco para populistas em nada compromissados com o país. Uma espécie torta de parlamentarismo na qual não há possibilidade de dissolução do parlamento. Um retrocesso civilizatório.
Vale lembrar que nas economias mais ricas do mundo é comum o uso do endividamento do Estado para aquecer o mercado interno e financiar o desenvolvimento. Um investimento que volta aos cofres públicos pela via do crescimento da receita decorrente dos aportes na estrutura produtiva realizados com os recursos captados via venda de títulos da dívida pública. A produção de déficit público é, assim, utilizada como instrumento de política pública para cobrir as falhas do mercado e proteger a população e a economia desses países diante das crises.
O problema, portanto, não estaria necessariamente ligado à produção de déficits, mas à natureza de um endividamento subordinado a taxas excepcionalmente elevadas e em associação a um teto de gastos que impede ou reduz a possibilidade de dinamizar a economia e aumentar a receita de modo satisfatório. Um círculo vicioso que retroalimenta a dívida, beneficia o rentismo e aprisiona o país.
Indubitavelmente não é verdade que as políticas de austeridade sejam as únicas saídas possíveis para colocar a economia nos eixos. Pelo contrário, a redução da máquina do estado e o corte dos gastos e investimentos públicos, defendidas pelo pensamento neoliberal, acabaram por deixar desamparadas grandes parcelas da população dos países que adotaram esse ideário. Em nosso país, sob a égide da austeridade materializada na Emenda Constitucional 95 que instituiu o teto de gastos, assistimos a volta da fome, a drástica retração do nível de empregos e o crescimento do número de pessoas e famílias morando nas ruas. Uma situação retratada por imagens fortes mostrando pessoas na fila do osso ou buscando restos de comida no lixo.
Apesar da vitória de Lula, a permanecer o quadro atual, o país fica refém de segmentos rentistas, que, controlando a destinação dos recursos disponíveis, abocanham parte significativa da poupança socialmente produzida, limitando recursos para áreas estratégicas e de extrema relevância social, a exemplo da Previdência, da saúde, educação ou dos investimentos em ciência e tecnologia, industrialização e infraestrutura. Abandonamos a melhoria do presente e a construção de um futuro desejado para privilegiar setores que produzem poucos empregos de qualidade e não participam, como deveriam, da redistribuição de renda, da retomada da industrialização e da diversificação da economia.
A pandemia deixou claro que o mercado jamais substituirá o Estado no provimento do bem-estar social. Mostrou também a fragilidade de uma economia que não inclui. Diante do desastre, nos demos conta de que é urgente costurar um novo pacto. Um acordo que faça da saúde e do bem-estar da população os elementos centrais do projeto de país que se pretende construir. Um pacto amplo e intergeracional que garanta uma vida digna para crianças, jovens, adultos e idosos. Um tratado em defesa da vida que só será possível com o empoderamento e a adesão das classes populares.
Enquanto estivermos sujeitos à armadilha da austeridade, o Brasil seguirá, desculpem o tom ácido, escravo do rentismo parasitário e extrativista. Ao mesmo tempo, setores vitais para o bem-estar da população e para o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do país continuarão a disputar e a roer as migalhas que caem da mesa desse verdadeiro butim aos recursos públicos. Lembro aqui, o caso da Fundação Oswaldo Cruz, com trabalho exemplar na linha de frente no combate à pandemia de Covid-19, cujos servidores encontram-se com salários defasados há anos, ameaçando o futuro de uma instituição que orgulha os brasileiros. Infelizmente, um caso entre muitos. A crítica enviesada pela ideologia neoliberal a um suposto Leviatã corrupto e com apetite pantagruélico joga o bebê fora junto com a água suja da bacia. Não existe potência mundial, qualidade de vida e cidadania sem um Estado presente, forte e eficiente. A ausência do Estado é a anomia, o império do crime organizado e a condenação ao subdesenvolvimento. Quando iremos apostar de fato em um projeto de país democrático, inclusivo, sustentável e soberano?
Esse texto foi originalmente publicado no site Congresso em Foco. Veja o artigo também nesse portal.