‘Sete empresas formam oligopólio na saúde privada e controlam a economia nacional’, diz pesquisador

Juntas, as sete empresas da área da saúde controlam outras 192 e fazem parte do grupo de 1% das corporações que possuem mais de 20% das ações das empresas mais poderosos do Brasil. Veja matéria de Nayara Felizardo publicada originalmente em The Intercept Brasil.

As “sete irmãs da saúde” é a expressão que o pesquisador Eduardo Magalhães Rodrigues usa para se referir às empresas mais poderosas da saúde privada. São elas: Rede D´Or, DASA, Eurofarma, Notre Dame, Amil, Aché e Hapvida.

Para chegar a esses nomes, o pós-doutor em economia política pela PUC de São Paulo analisou as conexões acionárias dos 200 maiores grupos empresariais do Brasil e descobriu que as sete corporações exercem não só o oligopólio do mercado de saúde, como também participam de um seleto grupo de empresas que têm controle econômico hegemônico no Brasil. 

Segundo o estudo de Rodrigues, a saúde privada é o terceiro setor mais poderoso da economia corporativa do Brasil, quando considerado o peso de suas conexões acionárias. 

Em primeiro lugar está o setor de energia, com empresas como Neoenergia, Cemig e Copel. Já o setor de finanças, formado por bancos como Bradesco, BTG e Santander, está em segundo lugar.  

Em entrevista ao Intercept Brasil, o pesquisador explicou como chegou à conclusão de que a saúde privada “é um setor mais poderoso do que a gente imaginava”. Ele usou uma metodologia que vai além dos números de faturamento e lucro.

A partir do ranking dos 200 maiores grupos empresariais do Brasil, publicado em 2020 no anuário do jornal Valor Econômico, com dados de 2019, Rodrigues utilizou três indicadores para entender o poder econômico e, principalmente, o poder político que as empresas detêm. 

Um desses indicadores foi o grau de saída, que considera o número total de ações que uma empresa possui. A Rede D’Or, que controla outras 77 empresas, está em primeiro lugar, de acordo com esse indicador.

Juntas, as sete irmãs da saúde controlam outras 192 empresas. Elas fazem parte do conjunto de 1% das corporações que possuem mais de 20% das ações dos grupos empresariais mais poderosos do Brasil.

Já o grau de saída ponderado, outro indicador levado em conta, parte da quantidade de ações que uma empresa possui, mas leva em consideração o peso de cada uma dessas conexões acionárias. A Rede D’Or também está em primeiro lugar de acordo com este indicador. 

Por fim, a centralidade de intermediação mede a capacidade que uma empresa tem de ligar outras entre si por meio de ações, funcionando como empresas pontes ou intermediárias. De acordo com o estudo de Rodrigues, a empresa que tem maior centralidade de intermediação é a Eletrobrás.

Para o pesquisador, esse é o indicador mais importante, porque mostra o nível de controle que uma empresa ou grupo empresarial tem na economia corporativa do país. “São corporações que têm posição estratégica para a continuidade de toda a rede, que, nesse caso, é a economia nacional”, disse Rodrigues.

‘Essas empresas fazem o que querem. Elas sentam em uma mesa e determinam quais serviços vão ser oferecidos, em qual qualidade e a que preço’

De acordo com o anuário usado por Rodrigues em seu estudo, em 2019, os 200 grupos empresariais mais poderosos do Brasil controlavam 63,5% do Produto Interno Bruto brasileiro, devido suas conexões acionárias. 

Naquele ano, o PIB foi de R$ 7,3 trilhões. Portanto, o valor controlado pelas empresas, entre elas as sete irmãs da saúde, foi de aproximadamente R$ 4,6 trilhões. A receita bruta das corporações foi 69,7% maior do que a do orçamento da União.

Os planos de saúde tiveram um lucro líquido de R$ 3,3 bilhões no primeiro trimestre de 2024, segundo o Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar, divulgado pela Agência Nacional de Saúde, a ANS. 

Por isso, e por todo o poder de controle acionário que possuem, diz Rodrigues, “é ridículo essas empresas dizerem que têm prejuízo com os convênios médicos”. No início do ano, foi o que elas alegaram para cancelar convênios de autistas, idosos e pessoas com doenças graves.

Segundo Rodrigues, situações como essas revelam na prática qual é o problema do oligopólio da saúde privada, formado principalmente por sete empresas. “Essas empresas fazem o que querem. Elas sentam em uma mesa e determinam quais serviços vão ser oferecidos, em qual qualidade e a que preço”. 

O pesquisador também falou da incapacidade da ANS de regular devidamente o setor para evitar os abusos. E do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, que deveria regular a concorrência entre empresas no Brasil, evitando justamente os oligopólios como esse que formam as setes irmãs da saúde.  

Leia a entrevista.

Intercept Brasil – Quais são os grupos mais poderosos da saúde privada?

Eduardo Magalhães Rodrigues – Eu chamo essas empresas de “sete irmãs da saúde”. Rede D´Or, DASA, Eurofarma, Notre Dame, Amil, Aché e Hapvida controlam, juntas, outras 192 empresas e fazem parte do grupo de 1% das corporações que possuem mais de 20% do controle acionário dos maiores grupos empresariais do Brasil. 

É um setor mais poderoso do que a gente imaginava. Isso foi uma surpresa. Já sabíamos que existe um oligopólio na área da saúde privada no Brasil, mas meu estudo verificou que existe um oligopólio na economia nacional. 

Qual é a consequência desse oligopólio?

As sete irmãs da saúde não dominam empresas apenas do próprio setor, mas de vários outros, inclusive do setor de finanças. O que se fala de mercado, como princípio básico do capitalismo, não existe. 

‘Já sabíamos que existe um oligopólio na área da saúde privada no Brasil, mas meu estudo verificou que existe um oligopólio na economia nacional’. 

Não existe competição, que é outro pilar do capitalismo. Outras empresas não conseguem entrar nesse falso mercado para competir de verdade.

Por isso, essas empresas fazem o que querem. Elas sentam em uma mesa e determinam quais serviços vão ser oferecidos, em qual qualidade e a que preço. 

A maior parte dos planos de saúde são apenas caça-níqueis. São poucos e caríssimos os que oferecem um serviço de qualidade. Só um percentual muito pequeno da população pode acessá-los.

Como você identificou as sete irmãs da saúde?

O jornal Valor Econômico produz um anuário com os 200 maiores grupos empresariais do Brasil, que somam 6.235 empresas. Ele inclui as conexões acionárias e os percentuais de ações que cada empresa possui.

Eu analisei o que foi publicado em dezembro de 2020 e considerei, principalment, dois indicadores: um é o grau de saída ponderado, que leva em consideração o percentual de ações que uma empresa possui diretamente sobre outra. O outro é a centralidade de intermediação, que mede o poder das empresas de servir como ponte para que outras adquiriram novas ações.

Quando se analisam as conexões acionárias, o setor da saúde privada está em terceiro lugar entre os mais poderosos, ficando atrás apenas do setor de energia e de finanças. 

Importante destacar que meu estudo traz dados de 2019. Houve várias fusões e criações de novas empresas. Então, o setor da saúde está mais concentrado e detém mais poder agora.

Você fala no artigo que a Rede D’Or é como um polvo cheio de tentáculos. Por que essa analogia?

Considerando o grau de saída ponderado, a Rede D’Or é a mais poderosa entre as 6.235 empresas que analisei. E está em 35º lugar na centralidade de intermediação. Isso significa que o controle acionário corporativo dela é muito grande.

É a empresa que mais controla outras no Brasil. Ela controla a economia da saúde privada e faz parte do seleto grupo que controla a economia geral do país, inclusive no setor de finanças, seguros e alguns outros. 

É ridículo essas empresas dizerem que têm prejuízo com os planos de saúde. 

‘Obviamente, a saúde privada quer que o SUS se deteriore cada vez mais. Na disputa econômica e política ela está ganhando com enorme vantagem’.

O que isso significa, para a saúde pública, todo esse poder da saúde privada? 

Obviamente, a saúde privada quer que o SUS se deteriore cada vez mais. Na disputa econômica e política ela está ganhando com enorme vantagem. 

A saúde suplementar deveria ser auxiliar à saúde pública. Todo mundo deveria ter acesso a uma saúde gratuita e de qualidade. E só quem quisesse poderia procurar um convênio, mas não seria obrigado a isso, como acontece hoje.

O SUS tem extrema qualidade nos casos de alta complexidade, além de campanhas de vacinação, mas enfrenta problemas com a demora na realização de exames e consultas. 

É aí que os planos de saúde entram, vendendo uma ideia falsa. Na verdade, o que acontece quando o segurado precisa do serviço, é que ele não tem acesso. 

As pessoas ficam reféns. Elas têm dificuldade de acessar o SUS nesse nível de baixa e média complexidade, gasta dinheiro com convênio e não recebe o serviço da saúde privada. 

A Agência Nacional de Saúde Suplementar não consegue fazer quase nada contra isso. O Cade, que é o órgão que regulamenta e autoriza as fusões, também não.

‘O poder político não é só ter representantes no parlamento. É mandar na rede econômica através das conexão acionárias’. 

Cade e ANS não conseguem fazer nada ou não querem? 

A gente parte do princípio que eles não conseguem. Mesmo que queiram, não têm poder político. As empresas é que têm. 

O poder político não é só ter representantes no parlamento. É mandar na rede econômica através das conexão acionárias. 

Por que se deve limitar o poder dessas empresas e como fazer isso?

Nenhuma organização, seja ela econômica, política, ou de qualquer tipo, pode ter poder infinito. Essa é a base do próprio capitalismo. Eu estou mostrando que essas empresas estão com poder infinito. Elas não têm limite. Por isso, o SUS está perdendo o poder e o setor de saúde privada faz o que quer.

Talvez, uma forma de limitar esse poder é o governo federal começar a comprar ações de determinadas empresas que têm mais poder na economia corporativa brasileira. 

O BNDES poderia fazer isso de forma estratégica. Se o governo federal vai ter poder político para autorizar o banco a fazer isso, não sei. Mas esse seria um caminho.

Sete empresas da área de saúde controlam economia nacional. Arte: Giovana Abreu| Intercept Brasil