Ciência e vida: até quando esperar?

Por Antônio Jorge de Melo*/ publicado no Correio Braziliense

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa e progressiva que atinge os neurônios motores que controlam todos os movimentos do corpo. Na maioria dos casos, os sintomas avançam com rapidez mordaz e mortal. Sem cura, pacientes e familiares depositam a esperança na ciência. E a espera por terapia promissora torna-se uma luta travada contra o tempo.

Pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o carioca Stevens Rehen trabalha com a manipulação de células-tronco, hoje alvo para a cura de diversas doenças, como a ELA. Rehen, assim como as cientistas Mayana Zatz, Lygia da Veiga Pereira, Patrícia Pranke e grande parte da comunidade científica brigam para que a ciência brasileira se livre das amarras da burocracia que impede o avanço desses estudos.

Em 2010, Rehen realizou um levantamento sobre as dificuldades enfrentadas por nossos cientistas para importar materiais usados em pesquisas. Dos 165 entrevistados de todo o Brasil, cerca de 80% afirmaram já ter material retido na alfândega. A espera pelos insumos varia de um mês a dois anos. Para competir com países cuja ciência está anos-luz à nossa frente, Rehen e outros cientistas brasileiros também lutam contra o tempo.

Antônio, Ricky, Alexandra, Leide, Stevens, Mayana, Lygia e Patrícia são retratos da espera de um progresso que ainda não vingou no país. Hoje, estima-se que há cerca de 2 mil ensaios clínicos com células-tronco em andamento no mundo. Esses estudos representam esperança para a cura de centenas de traumas e doenças, como diabetes, esquizofrenia, mal de Alzheimer, Aids, cegueira e vários outros males genéticos, autoimunes e degenerativos.

Ainda que tenhamos cientistas dedicados e talentosos, o entrave é enorme. A maioria dos insumos utilizados em nossas pesquisas é importada; por isso, o valor acaba sendo, em média, três vezes maior quando comparado ao que é pago por pesquisadores nos EUA e na Europa, que recebem o produto encomendado em questão de horas.

A necessidade de uma empresa que faça a importação, além do uso de serviços de despachantes para desenrolar o procedimento, são os principais fatores que explicam o custo elevado e a morosidade de instituições como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Pensando em agilizar esse processo, a Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei (PL) nº 4411/12, que propõe a criação de um cadastro de pesquisadores e entidades registradas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De acordo com o PL, os profissionais cadastrados teriam importações liberadas automaticamente pela Receita Federal e pelos órgãos anuentes, além de serem diretamente responsabilizados por qualquer dano à saúde ou ao meio ambiente decorrente do uso inadequado do material. No texto também foram incluídas algumas medidas que visam maior celeridade e facilidade no procedimento, como a possibilidade para que pesquisadores possam realizar a importação.

Adotamos o mesmo procedimento a um amplo rol de órgãos competentes, atuantes em diversas áreas, tais como: arrecadação de impostos, vigilância sanitária, importação de bens, fomento da ciência e da tecnologia, entre outras partes envolvidas no processo de importação.

Incorporamos, ainda, a possibilidade de o próprio pesquisador transportar, de maneira lícita, o insumo em sua própria bagagem. Sem ter o material retido nem o constrangimento de ser tratado como contrabandista, ele também contará com prazo de 90 dias para apresentar, posteriormente, a documentação exigida. Por fim, incluímos a possibilidade de as empresas de courier, responsáveis pelo transporte expresso de cargas internacionais, realizarem o procedimento.

Este deputado, que abraçou a causa da diversidade como nos campos; e esta deputada, que sempre acreditou na cura de paralisias; buscaram representar não só os anseios da comunidade cientifica brasileira, que tem se mostrado fiel à iniciativa, mas lutar pelo maior direito de todo o brasileiro: o de viver.

Ele, assim como o jovem Ricky Ribeiro, criador do portal Mobilize, minhas amigas Alexandra Szafir e Leide Moreira, que continuam produtivas, escrevendo livros com os olhos, portam essa doença que hoje atinge outros 15 mil brasileiros. Juntos, batalham para que novos tratamentos e pesquisas cheguem ao nosso país.

 

* Presidente do Movimento em Defesa dos Direitos das Pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (Movela)