A saúde na Grécia: crise humanitária
Sonia Mitralias, do Esquerda.net
Um terço da população grega não tem segurança social. 40% não tem acesso ao sistema público de saúde e a mortalidade infantil aumentou.
Durante estes últimos quatro anos, padecemos na Grécia de uma política que tem consequências trágicas para as nossas vidas. O desmantelamento das estruturas da saúde pública e a mercantilização da Saúde são os resultados – talvez os piores – da aplicação das políticas impostas pelos memorandos (da troika) dos governos destes últimos anos. O objetivo destas políticas de austeridade é transladar, de forma automática e prioritária, o dinheiro público ao pagamento da dívida e não à satisfação das necessidades básicas da população grega.
A Grécia está em plena crise humanitária. A sua população diminuiu e a esperança de vida reduziu-se em dois anos! Há 3 milhões de pessoas sem cobertura de segurança social, o que equivale a um terço da população, e 40% não tem acesso ao sistema público de saúde. Na sua grande maioria são mulheres e crianças. O desemprego é de 28%, 65 % entre os mais jovens e 67% entre as mulheres jovens.
A tudo isto há que acrescentar um novo dado estrutural: as pessoas pobres e sem segurança social. A redução em 40% da percentagem do PIB dedicada às despesas em saúde pública tem-se traduzido no abandono de práticas institucionalizadas como a vacinação obrigatória, os teste para a identificação da tuberculose nas escolas, as fumigações em massa e a prevenção em geral.
O abandono das políticas de saúde pública e a degradação das condições de habitabilidade bem como da higiene pessoal entre grandes setores da população, por causa do seu empobrecimento, está a traduzir-se no reaparecimento de infeções autóctones que tinham desaparecido, como a malária, o aumento da tuberculose, o aumento do número de pessoas seropositivas em 200%, etc.
Mais em concreto, no que se refere às mulheres, estas têm perdido o seu direito à prevenção de doenças como as hemorroidas por causa da gravidez, o cancro de mama ou infeções, já que um grande número de mulheres vai cada vez menos à consulta médica.
Mas há algo pior: já não existe a saúde reprodutiva das mulheres! O direito das mulheres a dispor do seu corpo e a decidir se querem ter ou não uma criança vê-se constantemente ameaçado, não pela proibição do direito ao aborto, como em Espanha, senão devido ao empobrecimento das mulheres e à mercantilização de bens e serviços. Direitos adquiridos, como os cuidados de qualidade durante a gravidez e o parto, uma educação sexual que baseie as relações sexuais na igualdade, a liberdade e o prazer, livre de violência machista, a capacidade de decidir livremente se queremos ter filhos e em que condições…, constituem hoje uma lembrança longínqua. Por outro lado, o livre acesso a dar a luz e a uma interrupção da gravidez de qualidade, bem como a um bom serviço de planeamento familiar e à anticoncepção pertencem à esfera dos sonhos…
Assistimos a uma rápida diminuição dos nascimentos (-20 %), e a um aumento dos abortos (300.000; um aborto custa 350 euros nos hospitais públicos). Além disso, muitas das interrupções voluntárias da gravidez realizam-se necessariamente fora do hospital, sem assistência médica; uma situação que põe em perigo a vida das mulheres.
A isto junta-se o aumento, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, da mortalidade dos recém-nascidos e a ausência de vacinação para as crianças pobres. Entre 65% e 70% dos meninos são vacinados na medicina privada (a cargo da já escassa economia familiar de pais sem emprego ou sem segurança social) ou não são vacinados… Uma verdadeira bomba relógio sanitária!
Também assistimos ao abandono, por parte de famílias pobres, de crianças em asilos, à explosão de doenças sexuais infeciosas, ao aumento da miséria, das tensões nas relações humanas, do suicídio e, infelizmente, a um aumento galopante da violência dos homens contra as mulheres ( 47%).
O direito da mulher a decidir se quer ter filhos converte-se numa mercadoria nos hospitais públicos que são transformados em empresas. O direito à liberdade da maternidade converte-se num luxo reservado só aos ricos!
Foram adotadas e aplicadas medidas como a derrogação das convenções coletivas, e a redução ou eliminação de uma série de subsídios, previstos nessas convenções, para facilitar a vida das mulheres e a educação das crianças. Pode citar-se como exemplo a abolição dos subsídios por casal, para amas, para creches, para os acampamentos de verão, o parto e os exames pré-natais, bem como a diminuição em 22% do subsídio (equivalente ao salário base) para o cuidado de crianças durante os 6 primeiros meses de vida.
A situação é ainda pior quando se requer que as mulheres grávidas sem segurança social, bem como as mulheres sem documentos legais, cubram o custo de todos os exames médicos e a hospitalização para o parto. Se não podem pagar, criminaliza-se o mais básico dos direitos humanos, o direito à maternidade.
Para dar a luz numa maternidade pública, terão que pagar quantidades exorbitantes: 600 euros por um parto normal e 1.200 euros por uma cesariana. Situação que se agrava para as pessoas imigrantes: 1200 euros por um parto normal e 2.400 euros por uma cesariana. Tudo isso sem contar com as despesas das visitas médicas durante a gravidez e também as dos exames pré-natais. Por causa disso, muitas mulheres dão à luz sem exames médicos prévios!
E se tudo isto não fosse suficiente, os hospitais públicos ameaçam não autorizar a saída e nem conceder a certidão de nascimento, se as mulheres sem segurança social não pagam ou não proporcionam um número de identificação fiscal para que lhes sejam faturadas as despesas, a serem pagas em prestações.
Quando não estão em condições de pagar o parto, então o fisco persegue-as e, se devem mais de 5000 euros, são ameaçadas de prisão e de ver confiscadas as suas propriedades.
Mas ainda há algo pior! “Os cidadãos não gregos da União Europeia e terceiros países” devem pagar o dobro dos custos de hospitalização. Isto é, duplica-se a quantia exorbitante paga pelo parto e os cuidados médicos, o que afeta essencialmente as pessoas mais pobres do mundo, as mulheres imigrantes e as mulheres refugiadas sem papéis, bem como as mulheres sem segurança social. O resultado é que muitas delas saem do hospital durante a noite com o seu recém-nascido nos braços para não ter que pagar estas quantias, enquanto a administração do hospital, com frequência, não emite a certidão de nascimento se não se paga antecipadamente a conta do hospital.
Neste contexto, chegamos a ter crianças endividadas desde o primeiro dia das suas vidas, crianças fantasmas, não declaradas, que nasceram mas que não existem…
Tudo isto é inaceitável!
Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
(*) Sonia Mitralias pertence ao Comitê grego contra a Dívida. O artigo reproduzido pela Viento Sur é uma contribuição grega para o Manifesto da Rede Europeia contra a Privatização e Mercantilização da Saúde e da Segurança Social, apresentado em Bruxelas no passado dia 7 de fevereiro. O Manifesto constitui o início de uma campanha coordenada a nível europeu que se irá desenvolver até 25 de maio, data das eleições europeias.