O retrato de uma mulher plural
Nascida em 1927, em Pirapora, Minas Gerais, Izabel dos Santos, filha mais velha de Juvenal José dos Santos e Hormezinda dos Santos, perseguiu o horizonte. “Movida pela paixão, sempre disposta a aceitar e vencer desafios, durante 20 anos construiu o seu sonho: uma escola útil para o aluno/trabalhador excluído dos bancos escolares formais; uma escola com um princípio primordial: a inclusão. “Izabel dos Santos é, no País, no Setor Saúde, referência máxima em recursos humanos”. Este foi o trecho que nós escolhemos para abrir o livro Izabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo. Relendo-o, sentimos a mesma emoção que nos invadiu naquele dia 31 de julho de 2002, quando entrevistamos Izabel dos Santos, num hotel de Brasília. Foi um dia impactante, com emoções e aprendizados múltiplos. Izabel estava particularmente feliz, estava com aquela felicidade que nos embeleza e contamina a todos que estão próximos.
Hoje, ao pensar em como gostaríamos de homenageá-la, achamos que comentar algumas das suas palavras que estão no citado livro seria dividir com os leitores um pouco daquele momento que insistimos em guardar em nossos corações; seria uma forma de compartilhar com os jovens profissionais, que não tiveram o privilégio de conviver com ela, os traços essenciais de sua personalidade e de seu trabalho.
Cenário 1: Quando me lanço num projeto, sinto-me como uma artista pintando um quadro (Izabel dos Santos).
Entre os seus vários projetos, não temos dúvida que a sua grande paixão e obra foi o Projeto de Formação em Larga Escala de Pessoal de Nível Médio e Elementar para os Serviços de Saúde, conhecido nacionalmente como de Larga Escala.
Sobre este projeto, Izabel dizia: “a paixão pelo Larga Escala me deu gana de continuar persistindo por vinte anos. Acho que ninguém sabia o quanto eu estava apaixonada por esse trabalho. No entanto, eu estava e sabia que ele não estava pronto, por isso era necessário continuar persistindo”.
Izabel ficou conhecida nacional e internacionalmente pela pedagogia do Larga Escala, onde sempre se começa, pacientemente, a partir do ponto onde o aluno está no processo de conhecimento do mundo. O Larga Escala constitui um imenso exercício de paciência diante das limitações da cada pessoa humana que se dispõe a aprender fazendo e aprender a saber o que se faz.
Foi no Larga Escala que Izabel juntou os componentes para concretizar o seu sonho maior: Por em prática um projeto que desse uma identidade profissional ao trabalhador de nível médio e elementar que atuava sem qualificação específica no serviços de saúde. Entre esses componentes, estava a construção de uma rede de escolas adequada ao perfil do aluno trabalhador. Uma escola comprometida com o pensar e com o fazer. “A minha experiência dizia que a escola formal, regular, pouco seria útil para o aluno/trabalhador que tinha sido excluído, em algum momento de sua vida, dos bancos escolares formais. Portanto, ela teria que ter como princípio fundamental, a inclusão”.
Cenário 2: Se eu for me guiar pela razão, sou uma mulher morta. Preciso me apaixonar, me emocionar para eu poder ser o sujeito que faz a instituição mudar (Izabel dos Santos).
Izabel era uma mulher de fascínio difícil de explicar, de temperamento agridoce, de posicionamento forte e de uma crença inabalável nos processos de mudança. Tudo isso permeado pela incrível capacidade de se apaixonar. Assim costumava dizer: “Só a paixão possibilita. A paixão pelo outro, a paixão pelo belo, pela crença na mudança. Sei lá, são tantas as paixões. No fundo, é só paixão. Eu sou uma pessoa que crê na mudança. Em mim, a energia de buscar o novo é muito forte, dilacerante. […] atos de criação e de busca têm muita força energética; eles arrebentam mesmo, por isso precisam ser canalizados. É um processo muito árduo. E tem mais uma coisa, para formar quadros é necessária a mesma energia da maternidade”.
Cenário 3: Continuem a luta! Agora é com vocês. Vocês devem descobrir novos caminhos para avançar (Izabel dos Santos).
Ela era uma crítica voraz à prática corriqueira de atuar dogmaticamente, de atuar com visão única, vertical, sem olhar a realidade, sem olhar o contexto. Izabel defendia que toda instituição tem poros que permitem o ator social respirar e provocar mudanças, todavia, se faz necessário aprender a enxergá-los. “O contexto está gritando”, ela costumava dizer.
Ao recordar esses trechos, estamos prestando a nossa homenagem a menina que saiu da roça cheia de dificuldades, a jovem que teve que lutar por um lugar ao sol, a mulher negra que sofreu preconceitos, a mãe de muitos filhos de coração, e, acima de tudo, uma profissional intuitiva que sempre teve a capacidade de aglutinar outros profissionais em torno de uma idéia. Enfim, uma mulher Plural!
Janete Lima de Castro, Roberto Passos Nogueira e José Paranaguá de Santana
(autores do livro Izabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo)