Futuro da saúde do Brasil começa a ser desenhado por equipe interdisciplinar

O futuro da saúde no Brasil esteve em discussão por especialistas de várias entidades, durante dois dias no Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags). Reunidos no seminário de apresentação dos trabalhos e recomendações do projeto Saúde Brasil 2022-2030, eles têm como tarefa consolidar, em dois livros, as propostas para qualificar a assistência de saúde no país. Um dos livros será publicado ainda este ano e o segundo, em 2012.

Organizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Secretaria de Ações Estratégicas (Sae) da Presidência da República, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outras, os resultados serão apresentados ao Ministério da Saúde, com vistas à implementação. “Quais são os passos, as variantes e as incertezas políticas que são fundamentais e devem ser enfrentados através de uma ação política e de pesquisa para que a gente possa dar consequência à nossa ação. Este é um momento de diagnóstico, de clarificação das questões presentes, e de avançar para definir a produção desses dois livros”, disse o presidente da Fiocruz e coordenador-geral do projeto, Paulo Gadelha.

No primeiro dia do seminário, na última 3ª feira (23 de agosto), foram apresentadas sínteses sobre as abordagens adotadas pelos autores dos estudos encomendados aos especialistas integrantes do projeto. Esses estudos receberão colaborações dos demais especialistas reunidos no Isags e tratam de aspectos estruturantes do setor saúde, tais como a questão dos recursos humanos, o financiamento e a formação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.

Também representante do Ipea, Roberto Pires apresentou o tema Desenvolvimento, Estado e Políticas de Saúde, durante o qual abordou os principais desafios do Brasil no século XXI. Segundo ele, são estes: inserção internacional, macroeconomia para o desenvolvimento, infraestrutura econômica, social e urbana, estrutura produtiva, proteção social, e fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia. Estes trabalhos reestabelecem uma discussão das tensões e sinergias nas democracias, disse Pires.

“Gasto público baixo é a principal característica do Sistema Nacional de Saúde. O mais importante é a discussão de cenários com base em diferentes alternativas em relação às variações do PIB/Receita”, afirmou a pesquisadora e professora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) Célia Almeida, durante a apresentação Estrutura do Financiamento e do Gasto Setorial.

O Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, falou sobre Desenvolvimento Produtivo e Complexo da Saúde. “Tecnologia e universalidade estão no mesmo campo, não há como ter uma sem a outra. A questão global é: como eu induzo a indústria a produzir o que a sociedade precisa, de forma funcional aos sistemas universais. Ou eu domo a tecnologia ou não serei dono dos sistemas universais digno desse nome”, questionou, ao se referir à necessidade de orientação do capital para determinado fim. No debate, Carlos ressaltou: “Se Ciência e Tecnologia não conversar com Assistência, não vai haver inovação”.

Durante o debate, a professora da Instituto de Estudo de Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lígia Bahia, levantou a questão das coberturas pública e privada. “Se tem uma política financiando os planos (privados) e outra desfinanciando o SUS já se sabe aonde isso vai chegar”, disse.

“Só não ver quem não quer que os 90 milhões de brasileiros da classe média vão ter plano privado de saúde porque o Estado brasileiro está apoiando. Nós temos políticas públicas ativas de apoio à formação desse novo mercado para o segmento C e D. Quem constrói o mercado é o Estado”, disse. Luciana Dias de Lima completou: “A gente não sabe quanto e onde se gasta em saúde. O Estado não se conhece”.

Professora da Ensp, Maria Alicia Ugá, chamou atenção para o crescente uso dos SUS pelos usuários dos planos de saúde privados, principalmente nos casos de média e alta complexidade. Segundo ela, as operadoras impõem mecanismos administrativos que constrangem o usuário a conseguir o tratamento pretendido. “É uma mera ilusão essa questão dos planos privados porque, quando você precisa, há uma série de mecanismos inibitórios”, observou. “Até que ponto o Estado brasileiro não está incentivando esse tipo de prática e qual é, efetivamente, regulação coerente que pretendemos”, questionou.

O coordenador-executivo do projeto Saúde Brasil 2022-2030, José Carvalho de Noronha apresentou População e Perfil Sanitário e falou abordou temas como o aumento da expectativa de vida no Brasil e o momento de transição enfrentado pelo país, que passará ao predomínio das doenças não transmissíveis. Noronha utilizou dados projetados pelo IBGE.

Representante da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Expedito Luna fez uma avaliação sobre as doenças transmissíveis, endemias, epidemias e pandemias, e reivindicou que o documento incluísse as questões da saúde bucal e ocular. Também pediu que não se deixasse de abordar o alcoolismo e a dependência às outras drogas.

A parte relativa à organização e gestão do sistema de saúde ficou a cargo da pesquisadora-adjunta da Ensp, Luciana Lima, que, junto com os companheiros de equipe, identificou 12 deficiências estruturais do Sistema Único de Saúde (SUS) e propôs dez temas para a agenda prospectiva na área da saúde.

Segundo Lima, é preciso avaliar muito bem as mudanças incorporadas pelo Ministério da Saúde nas duas últimas décadas, período em que o SUS tem sido utilizado pela população. Ela também disse que é necessário avaliar as políticas de descentralização, assim como analisar a partilha de recursos no financiamento do sistema.

Lima fez questão de ressaltar a importância do aprimoramento da coordenação federativa, sem deixar de lado a avaliação das concepções sobre a participação social na saúde, principalmente porque, segundo ela, há baixo grau de mobilização política no movimento social voltado para a saúde.

Além desses aspectos, o seminário não deixou de lado a o tema da força de trabalho em saúde. O coordenador do Departamento de Recursos Humanos para Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mario Dal Poz, disse que 60 países apresentam déficit de profissionais da área, o que vai impossibilitá-los atingir os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio.

Dal Poz exibiu um perfil dos profissionais de saúde no Brasil: 11% da População Economicamente Ativa (PEA) estão empregados no setor da saúde e o núcleo dessa força de trabalho é composta pela Medicina, Enfermagem e Odontologia. Entretanto, segundo ele, a continuar a formação como está no país vai continuar faltando médicos. “A oferta de empregos ainda é maior que o número de formando em Medicina, mas em Enfermagem pode haver no futuro excesso de desempregados ou oferta maior que a demanda”, disse.

Fonte: Isags (Tatiana Escanho e Edmilson Silva)