Desafios, perspectivas e reflexões para 2012
Não foi um ano qualquer, foi um ano de conquistas e derrotas, ano de uma polêmica Conferência de Saúde cuja recomendação central sobre o financiamento do SUS foi rapidamente esvaziada pelo Congresso Nacional que frustrou a chance de aumentarmos o financiamento da saúde, ocasionando uma perda significativa de cerca de R$ 35 bilhões.
Quais seriam, então, os maiores desafios para a saúde em 2012? Sem ordem de prioridade listamos: a “americanização” do modelo nacional e o distanciamento da universalidade do direito a saúde, os novos parâmetros da regulação, a regulação da assistência privada à saúde, o incentivo ao complexo médico industrial e o Projeto de Lei da Responsabilidade Sanitária são algumas delas. Para o CEBES fica o desafio de analisar em que medida o encaminhamento dessas questões nos afasta ou nos aproxima do projeto político da Reforma Sanitária, transformando o estado e conferindo à sociedade outro referencial civilizatório?
Para Ana Costa, presidente do CEBES, o desenvolvimento nacional tem caminhado refém do grande capital e do mercado e por isso patinamos nas conquistas relacionadas às políticas sociais universais. Alerta ainda que a perspectiva de ação do CEBES deve estar voltada à reflexão, ação política, articulação e apoio aos movimentos sociais pelo direito à saúde, na garantia de um projeto de desenvolvimento nacional pautado na democracia na qual os direitos sociais sejam estruturados e garantidos pelas políticas sociais de Estado e não apenas por ações e programas fragmentados e exclusivamente de cunho assistencialista.
Para a presidente, nossas pautas não podem se restringir às especificidades setoriais da saúde e do SUS, mas agregar demandas relacionadas aos seus determinantes sociais: questões agrárias, meio ambiente, trabalho, educação, moradia, segurança alimentar, enfim, todos os fatores que garantam sua amplitude à seguridade social universal. Além disso, o CEBES deve incorporar como relevantes determinantes sociais da saúde todas as formas de discriminações como por exemplo de raça, gênero, orientação sexual e outras.
Dentro dessa perspectiva, adverte Ana Costa, o CEBES também deverá direcionar sua ação política rumo à construção do SUS universal, de qualidade e com gestão democrática de acordo aos interesses públicos. O projeto de Lei da Responsabilidade Sanitária que está sendo gestado na Câmara do Deputados deve merecer nossa atenção especial.
Ana lembra que muitos atores da saúde se apóiam no argumento das mudanças no Brasil para forjar idéias e conceitos preocupantes que se desviam dos propósitos da Reforma Sanitária e do SUS. Desta forma vai sendo impregnada uma nova cultura de naturalização da convivência com um setor privado da saúde cada vez mais forte e privilegiado pelo Governo. Ao lado disso, sobra ao SUS oferecer uma atenção ruim, de baixa resolutividade para a população descoberta de outros recursos.
Assim é efetivada a garantia ao mercado privado para a conquista de parcelas crescentes da população com enganosos serviços de baixa qualidade. É o cerne do debate da regulamentação sanitária. Um dos exemplos, lembra Ana Costa, é o embrionário conceito de “padrão de integralidade” para definir a responsabilidade pública com a assistência à saúde que surge no relatório do Deputado Rogério Carvalho acerca dos desafios para o SUS, apresentado durante o Seminário da Comissão de Saúde e Seguridade Social e que, certamente será referência para esse projeto de Lei.
Porém, para que essa e outras bandeiras que serão levantadas ao longo do ano venham a ter a devida mobilização e força política, a participação da sociedade civil e os movimentos sociais relacionados à saúde devem ser ampliados e fortalecidos para atingir a devida proporção política para o enfrentamento do pensamento hegemônico no Congresso e no Governo. Sair da institucionalização, da burocratização é um passo fundamental a ser dado nesse fortalecimento, que refletirá não só na qualidade política desses movimentos, mas em toda a luta pelo direito à saúde na sua dimensão ampliada mas que também resguarde e consolide o SUS nas suas características originais.
Desigualdades injustas
Não se trata de rejeitar as inovações como eventualmente poderemos vir a sermos criticados. Trata-se de não abandonar a defesa dos direitos das pessoas baseados nas suas necessidades e insistirmos na idéia de consolidar a saúde como direito universal e responsabilidade do Estado.
Os “ajustes” às mudanças do Brasil não podem sacrificar os anseios e necessidades da população para atender à fome do mercado. Estamos voltando ao ponto de partida em relação às desigualdades injustas de acesso à saúde nos anos e décadas que antecederam a formulação do projeto político da Reforma Sanitária. Talvez, de forma ainda mais perversa, pois, hoje as pessoas são ludibriadas pelas seguradoras, comprando gato por lebre. O enorme gasto da famílias com saúde é indignante e fere a Constituição Federal que garantiu ser esse um direito e uma obrigação do Estado!
Onde está o compromisso ético e político com o artigo 196 da nossa Constituição? “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Realmente hoje não temos um Sistema ÚNICO. Temos sistemas público e privado, ou seja, misto, sobre o qual o Estado não governa para garantir o interesse publico.
E por isso que, para Pedro Carneiro, membro da diretoria do CEBES, um dos desafios para o movimento da reforma sanitária, no ano de 2012, é a retomada dessa bandeira após a regulamentação da EC 29. Um caminho possível e que precisa ser considerado é a taxação de grandes fortunas, atualmente constante de uma proposta de lei da Deputada Jandira Feghali, que foi divulgado durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde. Esta pode ser uma solução para suplementar o insuficiente financiamento público do SUS e pode ser uma emblemática bandeira de luta por justiça e solidariedade social.
Ampliação da base social
Alcides Miranda, vice-presidente do Cebes, pontua como uma das questões prioritárias para 2012 a luta pela constituição de um marco regulatório legal que sirva de salvaguarda para o interesse público e políticas sociais (não somente da Saúde).
“A questão mais proeminente, mais uma vez, trata da discussão e (re)formulação dos projetos e cenários de desenvolvimento nacional em novo contexto e conjunturas no mundo. Nosso novo lugar de proatividade no mundo deve guiar-se somente pela perspectiva de mercado e de colonialismo intermediário?”, analisa Alcides.
Para Maria Lucia Frizon, diretora do Cebes, o ano de 2012 irá requerer dos militantes da Reforma Sanitária (gestores, trabalhadores e usuários), grande poder de articulação e mobilização, sobretudo pela derrota sofrida no Congresso que não definiu percentuais fixos do Orçamento Federal para o setor saúde. Essa derrota, analisa, poderá ser agravada diante de um cenário de crise econômica mundial que em alguma medida atingirá todos os países.
“Neste contexto a nossa luta deverá ser no sentido de nao retrocedermos na construção de um sistema universal público, onde o setor privado seja efetivamente complementar. Para isso, será importante ampliar a base social de sustentação do SUS, que o Cebes tem buscado fazer por meio de várias iniciativas, entre elas, a criação de Núcleos descentralizados em Estados e municípios do país, que precisam ser ampliados”, analisa Maria Lucia.
Projetos Preocupantes
Esse ano tramita no Congresso Nacional dois projetos de lei que o Cebes deverá estar atento, lembra Isabel Aparecida Isabel Bressan, diretora-administrativa do Cebes. Um é o Projeto de Lei 1914/11, do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que desconta na base de cálculo da contribuição para o Pis/Pasep e Cofins os pagamentos para planos de saúde dos funcionários de uma empresa.
A renúncia fiscal nesse caso representa proporcionar a utilização em assistência à saúde de forma não igualitária, de um montante de dinheiro que deveria estar sendo recolhido como contribuição para ser aplicado no SUS de forma igualitária. Além disso, reforça a idéia de que o Estado deve abrir mão de impostos e transferir para o mercado a atribuição de promover a assistência à saúde da parcela da população vinculada ao mercado formal de trabalho.
O outro projeto de lei preocupante é a PLS/227/04 da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), que permite o oferecimento e a contratação de planos de saúde com coberturas reduzidas. Se essa alteração na lei dos planos de saúde for aprovada, representará uma ameaça para a universalidade, a gratuidade e a atenção integral porque a porta de entrada do SUS para a maior parte da população seria por meio da assistência especializada prestada por planos de saúde.
O incentivo ao complexo médico industrial é uma outra grande pauta que se apresenta em 2012. Bandeira do ex-ministro José Temporão, o amplo estímulo à indústria de máquinas e equipamentos médicos e hospitalares e também aos fabricantes de produtos farmacêuticos pretende incentivar, em especial, o segmento de produtos biotecnológicos.
A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) receberá R$ 263,8 milhões para investimentos neste ano, segundo o Orçamento de 2012, aprovado no Congresso. Não há dúvida, de que temos aqui, um grande avanço, porém devemos estar atentos e abertos à reflexão no que tange à separação do avanço tecnológico e à assistência universal.
Políticas Específicas
No plano das políticas específicas para grupos populacionais, é preciso dar foco às politicas para as mulheres e as destinadas à saúde mental que deverão estar no topo de nossas pautas, pois serão justamente as que mais estão sob a mira das conciliações de interesses da base política de sustentação do Governo.
As mulheres, vítima de lacunas em seus direitos sexuais e reprodutivos, estão sob a permanente mira religiosa de evangélicos e católicos que ganham terreno no retrocesso das tímidas conquistas acumuladas no debate do aborto, da violência sexual, etc.
A nova política de saúde mental é um retrocesso em relação à reforma psiquiátrica brasileira. Apesar de ter sido rejeitada por meio de moções e de propostas alternativas durante a 14ª Conferência, a internação involuntária e o financiamento às comunidades terapêuticas continuam na pauta do governo.
Isso significa que em 2012 o movimento da reforma sanitária terá que se organizar para se contrapor a essa nova política e lutar pela atenção ambulatorial e psicossocial nos centros de atenção psicossocial (CAPS) e nos leitos psiquiátricos em hospitais gerais para urgências.