Juntos por um futuro sustentável

José Graziano – 21/06/2012

As declarações finais da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano de 1972 e a Eco-92 puseram o ser humano no centro do desenvolvimento sustentável. No entanto, até hoje, mais de 900 milhões de pessoas ainda passam fome. Populações pobres pelo mundo afora, especialmente nas áreas rurais, são as mais atingidas pela crise de comida, climática, financeira, econômica, social e energética que o mundo enfrenta hoje.

Não podemos falar em desenvolvimento sustentável enquanto aproximadamente uma em cada sete pessoas – crianças, mulheres e homens – ficam para trás, vítimas de desnutrição. Seria uma contradição em termos.

A fome e a pobreza extrema também excluem a possibilidade de um verdadeiro desenvolvimento sustentável porque os miseráveis precisam usar os recursos naturais disponíveis para conseguirem comida. Para eles, suprir suas necessidades básicas é a principal primordial de cada dia – planejar para o futuro é um luxo que eles não têm.

Todo ano, entre a colheita e o consumo, jogamos fora 1,3 bilhão de toneladas de alimentos

Paradoxalmente, mais de 70% das pessoas que passam fome no mundo dependem diretamente da agricultura, caça e pesca para sobreviver. Portanto, suas escolhas diárias ajudam a determinar como os recursos naturais do mundo são administrados. Não podemos esperar que o agricultor pobre não corte uma árvore se essa é sua única fonte de energia; não podemos pedir para o pescador artesanal deixar de pescar durante o período do defeso se essa é a única maneira de alimentar sua família. A fome coloca em movimento um ciclo vicioso que reduz a produtividade, aprofunda a pobreza, desacelera o desenvolvimento econômico, promove a degradação dos recursos e a violência.

A fome e a disputa por recursos naturais são fatores de conflitos que, mesmo quando são internos, têm impactos que frequentemente ultrapassam as fronteiras dos países. Então, há também uma ligação direta entre a segurança alimentar e segurança nacional e regional. A busca pela segurança alimentar pode ser o fio condutor que liga os diferentes desafios que o mundo enfrenta e ajudar a construir um futuro mais sustentável.

Na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, temos uma oportunidade de ouro para explorar a convergência entre as agendas da segurança alimentar e a sustentabilidade para assegurar que isso aconteça. Ambos requerem mudanças para modelos de produção e consumo mais sustentáveis. Para alimentar uma população mundial que superará a marca de 9 bilhões de pessoas em 2050, a FAO prevê a necessidade de aumentar a produção agrícola em pelo menos 60%. Para isso, precisamos produzir mais alimentos ao mesmo tempo em que conservamos o meio ambiente.

Mas mesmo com práticas mais sustentáveis, a pressão sobre nossos recursos naturais será extrema. Então, também temos que mudar a maneira que nos alimentamos, adotando dietas mais saudáveis e reduzindo o desperdício e perda de alimentos: todo ano, entre a colheita e o consumo, jogamos fora 1,3 bilhão de toneladas de alimentos. No entanto, mesmo se aumentarmos a produção agrícola em 60% até 2050, o mundo ainda terá 300 milhões de pessoas com fome daqui a quatro décadas porque, como as centenas de milhões de subnutridos hoje, eles continuarão sem os meios para ter acesso à comida que necessitam. Para eles, a segurança alimentar não é problema de produção insuficiente, é uma questão de acesso inadequado.

Para tirar essas milhões de pessoas da insegurança alimentar precisamos investir na criação de melhores empregos, pagar melhores salários, dar-lhes maior acesso a ativos produtivos – especialmente terra e água – e distribuindo renda de forma mais justa e equitativa.

Precisamos trazê-los para dentro da sociedade, complementando o apoio aos pequenos agricultores com oportunidades de geração de renda, com o fortalecimento das redes de proteção social, mutirões de trabalho e programas de transferência de renda, que contribuam ao fortalecimento de circuitos locais de produção e consumo para dinamizar as economias locais. A transição para um futuro sustentável também exige mudanças fundamentais no sistema de governança de alimentos e agricultura e uma partilha equitativa dos custos de transição e benefícios.

No passado, os mais pobres pagaram uma parcela maior dos custos de transição e receberam uma cota menor de benefícios. Este é um equilíbrio inaceitável e que precisa mudar. Erradicar a fome e melhorar a nutrição humana, criando sistemas sustentáveis de produção e consumo de alimentos, e construir uma governança mais inclusiva e eficaz dos sistemas agrícolas e alimentares são cruciais para alcançar um mundo sustentável.

Na Rio+20, estamos numa encruzilhada. De um lado está o caminho para a degradação ambiental e o sofrimento humano; do outro está o futuro que todos queremos. A Rio+20 oferece uma oportunidade histórica que não podemos dar ao luxo de perder. Nós sabemos como acabar com a fome e gerenciar os recursos do planeta de uma forma mais sustentável. Mas precisamos de uma vontade política mais forte para fazê-lo.

Devemos olhar para Rio+20 como o início de um caminho e não como o ponto de chegada. E essa é uma caminhada que não podemos fazer sozinhos. Como a luta contra a fome, o desenvolvimento sustentável é uma meta a que cada um de nós deve contribuir – cidadãos, empresas, governos, movimentos sociais, ONGs e organismos regionais e internacionais. Juntos, trabalhando a partir do nível local ao nível global, podemos construir o futuro que queremos. E esse futuro precisa começar hoje.

José Graziano da Silva é diretor-geral da FAO.

 

O boletim de notas no Rio

Jeffrey D. Sachs – 21/06/2012

A “Nature”, uma das publicações científicas de maior destaque do mundo, acaba de lançar um vergonhoso boletim de notas sobre desenvolvimento sustentável, em antecipação ao encontro de cúpula Rio+20 de desenvolvimento sustentável. O grau de adoção dos três principais tratados assinados na primeira Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, que ficou conhecida como Eco-92, recebeu as seguintes avaliações: Mudanças Climáticas – nota “F”; Diversidade Biológica – nota “F”; e Combate à Desertificação – nota “F”. Será que a humanidade ainda pode evitar ser “expulsa” da sala?

Sabemos há pelo menos uma geração que o mundo precisa corrigir seu rumo. Em vez de alimentar a economia mundial com combustíveis fósseis, precisamos fazer um uso muito maior de alternativas de baixa emissão de gás carbônico, como as energias eólica, solar e geotérmica. Em vez de caçar, pescar e desmatar terras sem preocupação com o impacto sobre outras espécies, precisamos controlar o corte de árvores e nossa produção agrícola e pesqueira em conformidade com a capacidade de nosso ambiente. Em vez de deixar as pessoas mais vulneráveis do mundo sem acesso a planejamento familiar, educação e assistência médica básica, precisamos acabar com a pobreza extrema e reduzir os elevados índices de fertilidade que ainda existem nas partes mais pobres do mundo.

Em resumo, precisamos admitir que nossa capacidade coletiva de destruição dos sistemas de suporte à vida no planeta chega a níveis sem precedentes com as atuais 7 bilhões de pessoas e as 9 bilhões, projetadas para a metade do século, todas interconectadas em uma economia mundial de alta tecnologia e alto consumo de energia. As consequências de nossas ações individuais, no entanto, ficam tão afastadas de nossa consciência diária que podemos estar nos dirigindo à beira do penhasco sem mesmo saber disso.

Por todo o mundo cresce o clamor para que o desenvolvimento sustentável fique no centro da mentalidade e das ações mundiais, para ajudar as pessoas a solucionar o desafio: bem-estar econômico, ambiente sustentável e inclusão social – que vai definir sua era.

Quando ligamos nossos computadores ou acendemos as luzes, estamos alheios às emissões de gás carbônico resultantes dessas ações. Quando comemos nossas refeições, estamos alheios ao desmatamento resultante da agricultura insustentável. E quando bilhões de nossas ações combinam-se para criar fome e enchentes do outro lado do mundo, afetando as populações mais pobres em países propensos à seca como Mali ou Quênia, somos poucos os que têm mesmo uma ligeira noção das perigosas armadilhas das interconexões mundiais.

Há 20 anos o mundo tentou enfrentar essas realidades por meio de tratados e da lei internacional. Os acordos que emergiram em 1992 no primeiro encontro no Rio eram bons: ponderados, previdentes e concentrados nas prioridades mundiais. Ainda assim, não nos salvaram.

Esses tratados ficaram nas sombras de nossas políticas, de nossa imaginação e dos ciclos dos meios de comunicação no dia a dia. Ano após ano, diplomatas convergiram aos trancos para conferências tentando colocar esses acordos em vigor, mas os principais resultados foram negligência, atrasos e bate-bocas por detalhes legais. Passados 20 anos, o que temos para mostrar são apenas três notas “vermelhas”.

Há alguma maneira diferente de agir? O caminho da lei internacional envolve advogados e diplomatas, mas não engenheiros, cientistas e líderes comunitários que estão nas linhas de frente do desenvolvimento sustentável. É um caminho repleto de informações técnicas, conhecidas por poucos, sobre monitoração, compromissos obrigatórios, países do anexo-I e países fora do anexo-I e milhares de outros legalismos. Um caminho que não conseguiu dar à humanidade uma linguagem para discutir nossa própria sobrevivência.

Temos milhares de documentos, mas somos incapazes de nos comunicar abertamente uns com os outros. Queremos salvar a nós mesmos e a nossas crianças? Então, por que não o dizemos?

Na Rio+20, temos de dizê-lo, de uma forma clara e decisiva, de uma forma que resulte em ações e na resolução de problemas, e não em brigas ou atitudes defensivas. Como os políticos seguem a opinião pública em vez de liderá-la, é preciso que o público exija sua própria sobrevivência, e não as autoridades eleitas, que supostamente deveriam nos salvar de alguma forma, apesar de nós mesmos. Há poucos heróis na política; esperar pelos políticos seria esperar demais.

O resultado mais importante no Rio, portanto, não será um novo tratado, cláusulas obrigatórias ou compromissos políticos. Será uma convocação global por ações. Por todo o mundo, cresce o clamor para que se coloque o desenvolvimento sustentável no centro da mentalidade e das ações mundiais, especialmente para ajudar as pessoas mais jovens a solucionar o desafio triplo – bem-estar econômico, sustentabilidade ambiental e inclusão social – que vai definir sua era. A Rio+20 pode ajudá-los a fazer isso.

Em vez de um novo tratado, adotemos na Rio+20 um conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que inspirem as ações de uma geração. Assim como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio abriram nossos olhos para a pobreza extrema e promoveram ações mundiais sem precedentes para combater a aids, tuberculose e malária, os ODS podem abrir os olhos da atual juventude para as mudanças climáticas, perda de biodiversidade e desastres da desertificação. Ainda podemos salvar os três tratados do Rio, colocando as pessoas na dianteira dos esforços.

Os ODS para acabar com a pobreza extrema; descarbonizar o sistema de energia; desacelerar o crescimento populacional; promover o fornecimento de alimentos sustentáveis; proteger oceanos, florestas e terras secas; e reparar as desigualdades de nossa era podem estimular uma resolução de problemas que valerá gerações. Magos da engenharia e tecnologia por todo o mundo, do Vale do Silício a São Paulo, de Bangalore a Xangai, têm ideias em suas mangas para salvar o mundo.

Universidades por todo o mundo são lar de legiões de estudantes e professores empenhadas em solucionar problemas práticos em suas comunidades e países. As empresas, pelo menos as boas, sabem que não podem prosperar e motivar seus funcionários e consumidores a menos que façam parte da solução.

O mundo está pronto para agir. A Rio +20 pode ajudar a desencadear uma geração de ações. Ainda há tempo, muito pouco, para transformar as notas “Fs” em “As” e para a humanidade conseguir passar em seu exame definitivo. (Tradução de Sabino Ahumada)

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.