Pelo banimento do uso do amianto no Brasil
Créditos: Daniel Marenco/Folhapress
Créditos: Daniel Marenco/Folhapress

Por Hermano Castro

Nos dias 24 e 31 de agosto de 2012, houve debate no Supremo Tribunal federal (STF) sobre os danos causados pelo amianto no Brasil. Para subsidiar as decisões da suprema corte brasileira sobre o banimento do amianto, foi convocada Audiência Pública pelo Ministro Marco Aurélio Melo.

Neste momento, existem duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN), a ADIN nº 3937, contra a lei de banimento do estado de SP, impetrada pela indústria do amianto e a ADIN 4066 contra a lei federal 9055/95, que permite o uso do amianto no Brasil, esta impetrada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Um dos objetivos foi fornecer os elementos científicos para o banimento do amianto da espécie crisotila e apontar os riscos à saúde pública que o referido material pode trazer, assim como avaliar os impactos econômicos decorrentes do banimento.

As apresentações tiveram dois enfoques complementares, primeiro nos riscos ocupacionais e na saúde do trabalhador e o segundo foco nos riscos ambientais difusos e os danos para toda a sociedade brasileira exposta. Discutiu-se então a cadeia produtiva e cada etapa do processo com seus riscos, da extração, industrialização, transporte, comercialização, consumo, uso domestico e de resíduos.

Várias instituições nacionais e internacionais estiveram presentes com seus representantes, foram incluídos ainda trabalhadores vítimas do amianto e as representações sociais e de governo. Dentre as instituições nacionais que se manifestaram pelo banimento estiveram presentes a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), a Cetesb, a Fundacentoo, a Fiocruz, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Seguridade Social e o Ministério do Trabalho e Emprego; entre os organismos internacionais a OIT e o IARC.

A Saúde Pública esteve sempre em primeiro lugar nas apresentações como forma de mostrar que a vida é o bem maior e mais precioso e que deve ser protegida de todas as formas de agressão, o que inclui a não exposição a substâncias perigosas. Mortes precoces e doenças pulmonares, como asbestose, câncer de pulmão, câncer de pleura e mesotelioma em trabalhadores e na população começaram a ser observadas no início do século XX.

Em 1907 há o primeiro relato de morte de trabalhador por exposição ao mineral, feito pelo médico inglês H. Montagne Murray, e o primeiro diagnóstico de asbestose, feito em 1924. Nos anos de 1930 a Inglaterra promulga as primeiras leis que definiam a asbestose como doença relacionada ao trabalho. A construção civil na Europa durante o pós guerra, inundou o continente de amianto na reconstrução das cidades e, devido ao período de latência para o aparecimento da doença, os casos começaram a crescer nos anos 1970 e atingem magnitude de epidemia nos anos 1990. A epidemia anunciada faz com que a comunidade europeia tome a decisão de banir o amianto em 2001. Hoje, 66 países já baniram a fibra e cresce o movimento pelo banimento em todo planeta.

A fibra do amianto possui substitutivos que não são considerados cancerígenos por diferentes órgãos internacionais, como a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC), e o impacto econômico nos preços e empregos do setor é mínimo, no curto prazo e, a médio e longo prazo, estimulantes para a inovação tecnológica de baixo custo e geradora de emprego em diferentes pontos da cadeia produtiva.

De acordo com o professor de economia Luiz Gonzaga Belluzo, a substituição do amianto por outros materiais é, não só “perfeitamente factível”, como traz vantagens ao “descongelar o progresso tecnológico”. Ele acrescentou que qualquer “problema” na substituição do produto “é estritamente econômico” porque a diferença de custo se deve a questões de monopólio. Acrescentou ainda que devemos colocar essa questão dentro do espírito da Constituição brasileira de 1988, que é de proteção ao cidadão, não só dos trabalhadores da mina, mas de todos os trabalhadores brasileiros.”

O Brasil é hoje o terceiro maior produtor mundial e o segundo maior exportador de amianto, além de ser o quarto maior consumidor, atrás apenas da China, da Índia e da Rússia.

stf-audienciap-amianto-24082012As informações sobre adoecimento no país e no mundo são contundentes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), atualmente 125 milhões de trabalhadores em todo o mundo estão expostos aos efeitos maléficos do amianto crisotila, e um terço dos cânceres ocupacionais são causados pela inalação de fibras de amianto.

A OMS estima ainda 100 mil mortes causadas pelo amianto todos os anos. Nos Estados Unidos, a estimativa é de 67 mil óbitos por ano. O desfecho, no caso do mesotelioma, é muito rápido e leva ao óbito no período de até 12 meses em 90% dos casos.

No Brasil, os casos de doenças relacionadas ao amianto continuam a crescer acompanhando o aumento do uso da crisotila no Brasil. De acordo com o boletim epidemiológico do MS foram registrados no Sistema Único de Saúde (SUS), entre 2008 e 2011, 25.093 casos de cânceres provocados pelo amianto e, no período de 2000 a 2011, 2.400 óbitos.

Do ponto de vista dos custos, somente no SUS entre 2011 e 2012, foram gastos R$ 291,871 milhões com o tratamento quimioterápico, cirurgias oncológicas, internações em unidades de terapia intensiva (UTI) e leitos, sem incluir tratamentos ambulatoriais.

Não entra na conta o custo de morte, perdas de dias de trabalho e tantas outras variáveis. Ainda para os trabalhadores expostos ao material cancerígeno, a aposentadoria ocorre após 20 anos de trabalho. Na comparação com o trabalhador comum, que se aposenta após o mínimo de 35 anos de trabalho, isso significa, segundo Dr. Paulo de Oliveira da previdência social, que cada 10 anos trabalhados nesse segmento contam como 17,5 anos, e cada 30 dias trabalhados, 52 dias. Na verdade, toda a sociedade paga para que trabalhadores se exponham ao risco, adoeçam e morram precocemente.

 

O gráfico 1 mostra o crescimento dos casos de câncer de pleura e mesotelioma no Brasil, no período entre 1980 e 2010.

Fonte: DATASUS Cálculo das taxas: Francisco Pedra
Fonte: DATASUS
Cálculo das taxas: Francisco Pedra

A mortalidade por mesotelioma está relacionada às exposições ambientais, explícitas em moradores vizinhos de fábricas, ou não explícitas, onde o cidadão não apresenta informação de qualquer exposição direta. Nesses casos, a exposição ocorre de maneira difusa em um Brasil onde o amianto é amplamente utilizado e facilmente encontrado, como em telhas, caixas d’água, juntas e freios de automóveis.

Do ponto de vista ambiental, o amianto deixa de ser um problema estritamente ocupacional e passa a ser um problema de Saúde Pública, onde toda populacão, principalmente a mais vulnerável economicamente, permanece exposta por tempo indeterminado. Devido ao longo período de latência, se o Brasil banisse hoje o amianto, ainda teríamos uma curva ascendente de mesotelioma pelos próximos 40 anos.

Do ponto de vista do risco, o representante do MTE e presidente da Fundacentro, Dr. Eduardo Costa, desmistificou o tão apregoado uso seguro na indústria, uma vez que, no ambiente fora da fábrica, há total impossibilidade de controle da fibra. A fiscalização revelou que, nos últimos 30 meses, as 51 empresas cadastradas no MTE, que utilizam amianto como produto central no processo produtivo, apresentaram inobservância da Norma Regulamentadora 15. Como por exemplo, a falta de controle no local de exposição, entrega de matéria-prima a empresas que não são cadastradas, eliminação de resíduos inadequadamente,  ausência de informações aos trabalhadores, falta de limpeza e de conservação adequada das roupas e do ambiente de trabalho e rotulagem inadequada dos produtos.

De acordo com Costa, “para banir certas doenças se introduz a vacina, porém, neste caso, o melhor é a remoção do uso do mineral” e conclui que “Banir o amianto é saudável e desejável, é factível tecnológico, financeira e operacionalmente, e responde ao compromisso com os trabalhadores e a sociedade brasileira como um todo. É um passo importante na inserção do Brasil no processo civilizatório mundial.”

A auditora fiscal do MTE, Dra. Fernanda Giannasi, encerrou a audiência informando que o Senado da França considerou o amianto como “a maior catástrofe sanitária do século XX”. O relatório do Senado culpa o Estado francês, as indústrias e até sindicatos pela contaminação por meio da fibra cancerígena.

Tendo em vista todos os fatos apresentados, espera-se que o STF tome a decisão de banir definitivamente o amianto no Brasil e que garanta os direitos dos trabalhadores e da populacão para uma vida digna e saudável, e dele livre.

Mais links sobre: Hermano Albuquerque de Castro fala ao Cebes sobre a luta pelo banimento do amianto