José Temporão fala ao Cebes sobre a questão da saúde nas eleições
O ex-presidente do Cebes e ex-ministro da saúde José Gomes Temporão responde ao Portal Cebes sobre temas importantes acerca da saúde, afirmando serem as eleições municipais momentos importantes para discussões mais estruturais. Tais questões também foram feitas a mais personagens que militam pela saúde pública no país, e serão disponibilizadas na próxima semana. Confira a entrevista com José Temporão:
Portal do Cebes: O que significa “Radicalizar a democracia para garantir o interesse público na saúde”?
José Temporão: Transformar a questão da saúde em um assunto para os homens e mulheres comuns que constroem o dia-a-dia deste país. Construir uma nova consciencia política na saúde onde ela passe a ser reconhecida como um fator central no processo de desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática. Desnudar os reais determinantes que interferem no processo saúde-doença e ampliar o acesso a uma comprensão ampliada de saúde. Criar estratégias e mecanismos de comunicação e educação que se contraponham aos perversos processos de deseducação que cotidianamente criam através da grande mídia mitologias sobre o que é saúde e como os desafios devem ser enfrentados. Repensar as relações entre pacientes e cuidadores na perspectiva institucional para quebrar as divisões e barreiras entre atenção e gestão, e garantir o estabelecimento de vínculos efetivos entre terapeutas, pacientes e famílias no território. Aperfeiçoar os mecanismos de controle social trazendo-os para mais perto do dia-a-dia das pessoas.
Portal do Cebes: De que formas a sociedade pode promover o tensionamento necessário para deixar claro que não se resolve os dilemas e desafios da política de saúde com o anúncio de questões genéricas e descontextualizadas durante as campanhas?
José Temporão: No caso das eleições municipais, a agenda tende a se concentrar em aspectos mais pontuais e localizados da atenção à saúde. Curioso que aspectos centrais na relação saúde e doença como saneamento ambiental, poluição urbana, espaços nas cidades para a prática de atividades físicas, alimentação nas escolas, todos pontos dentro da governabilidade do prefeito e vereadores, ficam subsumidos por ítens diretamente ligados ao cuidado individual, como acesso a medicamentos, atendimento de urgencia, tempo de espera. Mesmo partidos e candidatos com uma agenda mais progressista acabam reféns dessa armadilha. As eleições deveriam ser momentos preciosos para uma discussão mais estrutural das questões da saúde.
Portal do Cebes: De que forma a Saúde elevada à condição de “política de governo” aumenta a chance dos retrocessos setoriais em decorrência da rotatividade de partidos ou agrupamentos políticos?
José Temporão: No passado tivemos experiencias dramáticas como em SP na trágica experiencia do PAS. Avalio que hoje o risco é menor exatamente por uma consolidação de agenda de política de Estado que, de uma certa forma, fica como pano de fundo dos debates e proposições. Mas fica sempre o risco de propostas “salvadoras” ou heterodoxas que acabam se confrontando com os princípios pétreos do SUS.
Portal do Cebes: Todas as pesquisas de opinião divulgadas no período eleitoral demonstram que a saúde é a principal demanda da sociedade. Por outro lado, a mesma população que indica a Saúde como prioridade nessas pesquisas parece estar mais inclinada a adquirir assistência médica no mercado de planos e seguros privados. Como é possível modificar esse cenário?
José Temporão: A saúde será sempre uma das principais demandas. É assim em todo o mundo. A população pragmaticamente busca soluções para seus problemas concretos. A ideologia que prevalece vende o mercado como a hipotética solução para melhorar a qualidade da atenção e as pessoas acreditam e transformam “ter um plano de saúde” como etapa a ser vencida no processo de aacensão social (casa, carro e plano de saúde). O SUS tem que melhorar radicalmente a qualidade dos serviços que presta e brigar no “mercado” para atrair novos usuários que se sentirão seguros e cuidados pelo sistema público. Ao mesmo tempo, o perverso sistema de subsídios e renúncia fiscal que tira recursos do sistema público para financiar o sistema privado deve ser enfrentado. Aqui não se pode esquecer que, sem resolver a equação da base econômico-financeira do SUS, não conseguiremos avançar. Mas esta agenda, a meu ver, é para as eleições presidenciais!
Portal do Cebes: Muitas pessoas acreditam, talvez através do olhar recortado da mídia, que o setor de saúde não precisa de mais recursos, e sim de maior controle sobre a receita repassada para o campo da saúde pública, tendo em vista tamanha corrupção. Quais os perigos desse raciocínio para a saúde pública brasileira e qual a importância de se fazer o debate na época das eleições?
José Temporão: Essa é uma retórica perigosissíma! Colocar nas questões de gestão (macro e micro) o centro do problema e dos dilemas do SUS é, no mínimo, irresponsável. Porque até para se melhorar a gestão e os controles vai se precisar de mais dinheiro. Do ponto de vista da chamada “opinião pública” estamos perdendo esse debate, pois se disseminou uma visão de que o sistema é perdulário e ineficiente e que antes de gastar mais, teríamos que gastar melhor. Esse é o debate a ser enfrentado nas eleições para presidente, governadores e congresso nacional responsáveis pela aprovação de mudanças nas leis que regem o macro financiamento do sistema.