Devem os senadores legislar sobre conduta terapêutica? :: Por Rosely Sichieri
Por Rosely Sichieri*
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em 16/07/2014 um projeto de decreto legislativo para suspender resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proibia a comercialização de inibidores de apetite feitos a base de anfetamina. A proposta, de autoria do deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), suspende a proibição imposta em 2011 pela Anvisa. A norma proibiu a venda no Brasil de medicamentos a base de anfepramona, femproporex e mazindol e sibutramina.
Qual é a base científica para que os senadores decidam sobre tópico tão importante, mesmo que seja com o apoio de médicos brasileiros. Não há como se antepor as evidências de estudos com grandes populações como no caso da sibutramina (estudo chamado SCOUT) e com participação inclusive de pacientes brasileiros. Foram estudados 10.000 pacientes obesos que ao final do estudo tiveram uma redução do peso de 2,5% comparada ao controle e com aumento de 16% de eventos cardiovasculares comparados ao grupo controle. É uma irresponsabilidade dos senadores legislar sobre o que não conhecem.
Esse estudo SCOUT fez com que em 2010 na Inglaterra fosse anunciada a suspensão da autorização de comercialização da sibutramina e, nesse mesmo ano, o FDA (órgão dos Estados Unidos que controla o uso de medicamentos) também concluiu que os riscos cardiovasculares da sibutramina superam seus benefícios. A pergunta que fica é: Por que no Brasil essas drogas deveriam ser usadas? Ainda, quem é o órgão competente para definir sobre seu uso ou não?
O risco com o uso de medicamentos se justifica quando o beneficio alcançado é muitas vezes maior do que o risco. O grande problema com as drogas em questão é que comparadas à orientação para mudança de estilo de vida a perda de peso é mínima.
A obesidade é sim um grave problema de saúde pública no Brasil, que deve ser enfrentado pelo serviço de saúde, mas infelizmente a decisão da comissão de justiça muito atrapalha e nada ajuda. Os senadores deveriam se debruçar em possíveis planos que realmente ajudassem o Brasil a enfrentar a obesidade particularmente crescente entre os jovens brasileiros. Alguns projetos, como por exemplo, a regulamentação de propaganda de alimentos infantis estão aguardando na casa há décadas.
*Rosely Sichieri é professora do Instituto de Medicina Social na UERJ e pesquisadora do CNPq em nutrição
Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil