A ameaça dos médicos cubanos

Foi lançada na Imprensa, a partir do portal de Internet Terra Brasil, a “notícia balão-de-ensaio(?)” atribuída ao Ministro de Relações Exteriores Antônio de Aguiar Patriota de que o Governo Brasileiro pretende importar seis mil novos médicos formados em Cuba.

A informação não vem acompanhada de um ato governamental como fonte oficial autorizada. Igualmente, não aparece a forma política pela qual seriam inseridos novos médicos estrangeiros no mercado ou no SUS.

Os órgãos corporativos médicos imediatamente passaram a acusar que se pretende fazer o “reconhecimento automático” dos diplomas estrangeiros sem praticar exames de avaliação individualizados de competência técnica, de língua brasileira e de conhecimentos práticos. Até o momento ninguém assumiu a responsabilidade política governamental pela formulação da proposta comentada com foros de certeza, nem para explicar como serão importados profissionais médicos e se por acaso serão submetidos a uma avaliação prévia.

A imprensa está cheia de notícias de repetição por fontes em “off” com ilações sem fonte, de acusações sem provas e de manifestações de ódio político e de lideranças médicas contra o potencial ingresso de médicos não previamente examinados, apesar de desmentidos do Ministro da Saúde Alexandre Padilha.

Também ocorrem manifestações de ódio de cidadãos que aproveitam para acusar os médicos de direitistas e elitistas, para ficar apenas na superfície do conflito daqueles que já se manifestaram. Apesar disso existe equilíbrio e sensatez na blogsfera, onde é possível encontrar opiniões diferentes daquelas da grande imprensa neoliberal.

Nessa questão existe confusão entre causa e efeito. Como causa o governo diz que faltam médicos no interior e a corporação médica argumenta que existem médicos de sobra no país embora o governo não consiga contratá-los por que paga mal e oferece más condições de trabalho.

Como efeito o governo pretenderia adotar política de trazer médicos de fora do mercado nacional que estaria viciado por hábitos incompatíveis com a extensão de serviços médicos à população de pequenas cidades e das áreas rurais.

De um lado existe pesquisa nacional do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo muito bem executada que fundamenta a tese de que existem médicos em número suficiente no país, embora estejam mal distribuídos pela ausência de uma política de valorização profissional e de financiamento do SUS.

De outro lado o Governo não produziu nenhuma documentação científica que contradiga os achados da grande pesquisa feita pelo CREMESP. Finge que não viu ou não tem argumentos melhores para dirigir nova política para contratação de médicos.

Enquanto isso a corporação médica defende o mercado contra seus próprios filhotes e usurpa poderes de avaliação acadêmica do estado impondo que novos médicos se submetam a ‘exames de ordem’ feitos para reprovar.

“Reprovam” em massa e de maneira antipedagógica os alunos das faculdades públicas de São Paulo. Fazem isso contrariando iniciativas do Ministério da Educação e da Saúde para implantar nacionalmente um exame progressivo no 2o, 4o. e 6o. ano da graduação médica com técnicas adequadas. Também o fazem para assegurarem-se donos do mercado contra o estado e contra o SUS. (1)

De forma coerente com sua posição ideológica neoliberal lutam contra outras categorias profissionais da saúde impondo o projeto exclusivista do “Ato Médico” que visa limitar o alcance de mercado de outras profissões. Por consequência são também contrários ao ingresso de novos médicos principalmente aqueles formados fora do Brasil. Pretendem garantias contra a livre concorrência de novos profissionais especialmente se estiverem dispostos a trabalhar no interior quando aderem ao Programa de Valorização da Atenção Básica – PROVAB.

A fração da corporação médica neoliberalizada adere à medicina de mercado em prejuízo do SUS. Seus representantes são contrários à democratização do acesso de novos profissionais às Residências Médicas que formam especialistas.

A liderança da corporação médica é contrária também à regra de conferir pontos de vantagens nos exames de ingresso em residência médica aos profissionais que aceitem primeiro trabalhar dois anos em municípios distantes contratados pelo PROVAB.

Querem mais? Também é contra o “serviço civil obrigatório” para médicos formados em faculdades públicas. Como cortina de fumaça defende uma carreira pública adequada para os médicos de serviços públicos de saúde que não encontra respaldo em nenhum projeto legislativo de suas lideranças ou mesmo do executivo defende uma carreira pública adequada para os médicos de serviços públicos de saúde que não encontra respaldo em nenhum projeto legislativo de suas lideranças ou mesmo do executivo.

Esses princípios corporativos neoliberais se alargam à direita e se encolhem à esquerda. Aceitam gostosamente intercâmbio profissional autorizado com médicos europeus e norte-americanos, e perseguem os médicos formados em países latino-americanos em geral. Complementarmente manifestam ódio político contra os médicos formados em Cuba.

Para assegurar que sejam reprovados mais de 90% dos médicos candidatos formados na Argentina, Bolívia, Paraguai, Chile, Peru, Equador, Colômbia, México e Venezuela criam vínculos endógenos não transparentes com uma Comissão Governamental denominada “REVALIDA” instituída pelo MEC para revalidar os diplomas estrangeiros.

Para isso dominam a composição da comissão onde contam com líderes contrários ao equilíbrio científico, pedagógico e profissional. Orgulham-se de reprovar candidatos em massa destacando as reprovações dos brasileiros formados em Cuba.

Por sua vez o MEC não faz nada para melhorar o perfil discriminatório e antiprofissional da aplicação dos exames do REVALIDA. Não reformulou a comissão, não fiscalizou métodos transparentes para designar quem compõe os comitês avaliadores, não avaliou os péssimos resultados das avaliações feitas com índices absurdos de reprovações, não demonstrou que os exames seguem de fato o que foi publicado em um bom Decreto Governamental que estabeleceu as diretrizes a serem seguidas nacionalmente para receber médicos formados fora do país. (2)

Uma associação assim entre a omissão governamental e a atuação corporativa acaba dando relevo a uma política de credenciamento profissional de novos médicos dominada por antinacionalistas e privatistas que se apropriam do aparelho formador, licenciam inúmeras escolas médicas novas sem qualidade, reprovam em massa em seus exames, e gritam contra médicos estrangeiros.

O governo de fato ainda não fez nada para ser a causa dessa polêmica e também, não se justifica a gritaria política contra “médicos cubanos” que seria efeito de uma política governamental não declarada nem justificada. (3-6)

É uma associação entre os que fazem de conta que está tudo certo com os que desejam fazer tudo errado. Os cidadãos brasileiros sofrerão de quebra por uma reação profissional corporativa ou governamental que vai tornar mais aguda a falta de regulamentação adequada do ingresso de novos e bons médicos no mercado, sejam eles brasileiros, estrangeiros ou “Cubanos”.

A direita prefere chamar os médicos “Cubanos” de quinta-coluna. Seriam verdadeiros demônios prestando convencimento político socialista no interior do Brasil. Provavelmente pensam o mesmo sobre o SUS, que tem a ousadia de tentar colocar em prática o princípio da Constituição que diz que Saúde é direito do cidadão e dever do Estado.

Quem age como quinta-coluna atacando internamente são alguns representantes da corporação médica interessados em cursinhos de residência médica e em novas faculdades particulares que atacam o governo por dentro no MEC e no Congresso.

O governo não dá sinais de que está disposto a discutir abertamente a questão e lança informalmente essa “proposta” de trazer médicos estrangeiros sem discutir previamente com a sociedade uma nova proposta de contratações de médicos para o SUS apoiada política e socialmente. Neste contexto o motor do avião está pegando fogo, o piloto sumiu, e os sequestradores estão no comando.

Bibliografia

1.    CREMESP. Exame do Cremesp: Resolução nº 239 torna obrigatória a avaliação para o registro profissional. Noticias [serial on the Internet].DOI:2012: Available from: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=NoticiasC&id=2568.

2.    BRASIL – Ministério da Educação – Ministério da Saúde. Portaria Interministerial 278/2011 – Institui o REVALIDA – Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras. Diário Oficial da União [serial on the Internet].DOI:2011; 2011(53:12-17): Available from: http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=12&data=18/03/2011.

3.    Corrêa Filho HR. Polícia administrativa médica: Estado, fascismo e saúde. Blog Saúde Brasil – Blog do CEBES [serial on the Internet].DOI:2012; (27/Julho/2012): Available from: http://blogsaudebrasil.com.br/2012/07/27/policia-administrativa-medica-estado-fascismo-e-saude/ ; https://cebes.org.br/internaEditoria.asp?idConteudo=3396&idSubCategoria=30; http://www.idisa.org.br/site/documento_8061_0__lagrimas-de-crocodilos-e-vampiros.html

4.    Corrêa Filho HR. A imposição questionável do Exame de Ordem dos Conselhos Regionais de Medicina. Blog do CEBES [serial on the Internet].DOI:2012; (27/Julho/2012): Available from: https://cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=3395&idSubCategoria=56.

5.    Corrêa Filho HR. Mais novos médicos nacionais, médicos estrangeiros e corporação médica no Brasil: o certo, o torto e o errado. Blog do CEBES e Viomundo – Carlos Azenha/Conceição Lemes [serial on the Internet].DOI:2012; (08/06/2012 17:52:16 e 11/06/2012 11:46): Available from: https://cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=3069&idSubCategoria=56 ; http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/heleno-correa-o-certo-o-torto-e-o-errado.html/comment-page-1#comment-347503

6.    Corrêa Filho HR. Desobediência civil e debilidade democrática: O exame do CREMESP em 2012. Blog do CEBES [serial on the Internet].DOI:2012; (17 de Dezembro de 2012): Available from: https://www.cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=3947&idSubCategoria=56.