Aécio, Campos e a Saúde
Por Wadih Damous*
Como acontece em outros assuntos – como o Bolsa-Família, por exemplo – o tucano Aécio Neves e o “socialista” Eduardo Campos se vêem num dilema ao tratar do programa Mais Médicos.
Não gostariam de, em plena campanha eleitoral, aplaudir um projeto implementado pela adversária Dilma Roussef. Ficam, então, buscando pelo em casca de ovo para não apoiá-lo. E, tal como o Bolsa-Família, o Mais Médicos conta com amplo apoio. A população das regiões assistidas pelo programa está muito satisfeita. Em muitos lugares foi ele quem propiciou assistência médica a gente que nunca a tinha recebido.
Como não podem bater de frente contra o programa, Aécio e Campos desde o início buscaram aspectos laterais para tentar desqualificá-lo. Ao mesmo tempo, prometem mudanças que, se levadas a cabo, significariam interrompê-lo ou limitá-lo em grande medida.
O primeiro argumento que usaram – a suposta má qualidade da medicina cubana – tomou doril. Sumiu por não ter qualquer apoio na realidade. Afinal, Cuba – país pobre e subdesenvolvido – tem os melhores indicadores de saúde da América Latina. Lá, a mortalidade infantil (4,8 mortes por mil crianças nascidas) é menor do que nos ESTADOS UNIDOS. E mortalidade infantil é o principal critério da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a aferição da qualidade de vida num país, dado que, quando esta se deteriora, as crianças são as primeiras a serem afetadas.
Um segundo argumento usado pelos adversários do programa, o de que os médicos cubanos não conseguiriam se fazer entender, nem entenderiam seus pacientes nas regiões pobres do Brasil, também já caiu por terra. A vida o sepultou. Não vem sendo mais usado.
Agora, o pretexto para atacar o Mais Médicos é o fato de que nem todo o dinheiro pago pelo governo brasileiro pelo trabalho dos profissionais cubanos vai para eles. Aqui, há, enrustido, um aspecto ideológico, que busca fazer um aceno a um setor reacionário do eleitorado. Houve quem comparasse os médicos cubanos a escravos. Aécio e Campos afirmam que não aceitarão essa divisão do pagamento, caso assumam a Presidência.
Ora, é preciso que seja dito, com toda a clareza: esta seria uma forma – supostamente mais palatável aos olhos da opinião pública – para tentar desidratar o programa. E essa desidratação teria um único motivo: ele é associado ao governo do PT.
O que Aécio, Campos e seus parceiros não dizem é que, em Cuba, qualquer médico tem que retribuir à sociedade, sob a forma de trabalho no país, o que foi gasto em sua formação. Assim, é razoável que, tendo se graduado com os recursos do povo cubano, um médico que trabalhe no exterior e receba, por isso, salário superior ao que receberia no país, deixe parte do que recebeu para a sociedade cubana.
Como a vida em Cuba é muito barata – não se paga saúde e educação; e moradia, alimentação básica e transporte são também praticamente gratuitos – o que sobra em termos de salário para os integrantes dos Mais Médicos, depois de retirada a parte que fica com o Estado cubano, é plenamente satisfatória. Esse aspecto, mais a consciência da função social da medicina que exercem, faz com que haja candidatos para trabalhar no exterior.
Há mais, porém. De forma oportunista, Aécio e Campos escondem um fato interessante: os primeiros médicos cubanos vieram para o Brasil ainda quando Fernando Henrique Cardoso era presidente. E com o mesmo sistema de repartição do pagamento. Atenderam a comunidades pobres em Tocantins, Roraima e Amapá, que nunca tinham visto um médico brasileiro – o que, convenhamos, é uma vergonha para o nosso país. Desde aquela época seu trabalho é muito elogiado.
Há, hoje, mais de 30 mil médicos cubanos fora de seu país. Em 69 países na América Latina, da África, da Ásia e da Oceania, eles atendem a pacientes que, em sua maioria, não falam espanhol. Mas, como têm alto nível de educação formal, aprendem rapidamente línguas estrangeiras.
Dos médicos cubanos que vieram para o Brasil, todos têm especialização em medicina de família, 42% já trabalharam em pelo menos dois países e 84% têm mais de 16 anos de atividade.
Assim, a observação que tem que ser feita em relação ao Mais Médicos é de outra natureza. Ele é um programa emergencial. Não pode ser visto como solução para o problema da saúde pública no Brasil. É preciso uma decisão política de outra envergadura, para que seja dado um passo decisivo no enfrentamento do problema, com a transformação da saúde numa carreira de Estado, como acontece com o Judiciário.
Quando houver um plano de carreira para os profissionais do setor, remuneração condigna e fortalecimento do SUS (Sistema Único da Saúde) não haverá mais necessidade de se importar médicos. Da mesma forma como o Judiciário está em todos os rincões do país, estará também a assistência médica.
Mas, reconhecer essa verdade não significa que nenhuma providência deva ser tomada para minorar os problemas.
Daí que o Mais Médicos deve ser apoiado sem hesitação.
Não enxergar isso, é cegueira.
Ou má vontade explícita, oriunda de oportunismo eleitoral.
*Wadih Damous é presidente licenciado da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e da Comissão de Direitos Humanos da OAB Federal