Serviço obrigatório no SUS é constitucional?
por Pedro Estevam Serrano via Carta Capital — 18/07/2013
Uma das questões que tem levado amplos setores da classe médica a criticar a MP do Governo Federal que trata da atividade no pais é a exigência de dois anos de prestação de serviços clínicos em unidades do SUS (Sistema Único de Saúde) para obtenção do registro definitiva como médico.
A medida tem por finalidade aparente evitar a especialização precoce dos profissionais, obrigando-os ao exercício de um tempo mínimo de clinica médica como elemento central de sua formação. Como disse o ex-ministro Adib Jatene, formar um “medico especializado em gente” como meta primaria da educação médica.
Uma das criticas feita por alguns juristas à exigência é a de sua suposta inconstitucionalidade, por ferir a liberdade individual de trabalho de cada profissional vitimado pela determinação. Seria ilícito obrigar o estudante a trabalhar para o serviço publico como condição para obter seu credenciamento profissional definitivo.
Não tenho como ingressar de forma consistente no debate de mérito quanto à correção da exigência formulada pelo governo. Em princípio, simpatizo muito com ela. Mas não tenho conhecimento de pedagogia médica para poder argumentar com consistência no tema.
Creio que mais que uma exigência em favor do povo pobre a norma é fundada numa exigência de exercício mínimo controlado da profissão para obtenção de um registro definitivo, uma espécie de estagio probatório tão comum nas profissões publicas, portanto mais com caráter pedagógico e de defesa da sociedade do que de benemerência obrigatória, mais atividade de ensino e aprendizagem do que trabalho como prestação.
Se no aspecto pedagógico prefiro não emitir opinião mais sustentada, no aspecto jurídico da questão não tenho duvidas que a exigência é pertinente e compatível com nossa ordem constitucional.
A liberdade de trabalho no brasil é limitada de plano em nossa Constituição ,que garante o direito ao trabalho “ salvo limitações contidas em lei”.
Significa que o exercício profissional no Brasil é livre mas desde que obedecias normas legais de exigências mínimas para seu exercício, em especial de profissões que envolvam interesse publico como é o caso da medicina.
Em profissões como a advocacia, além do requisito acadêmico para exercício da profissão, o titulo de bacharel, exige-se a realização de exame de admissão nos quadros da OAB para aferir o real conhecimento do candidato a advogado.
Isso porque se considera que um advogado que não detenha conhecimentos mínimos da profissão poderá ocasionar danos ao patrimônio ou à liberdade das pessoas.
O interesse publico no caso se impõe ao interesse pessoal do bacharel em direito de trabalhar livremente em sua profissão.
Sem aqui entrar em debates teóricos, como o de terem ou não os direitos fundamentais limites “prima facie”, o que o legislador realizou no caso ao estipular a exigência foi uma ponderação entre a liberdade individual de trabalho e o interesse público de contar com advogados que detenham condições mínimas de conhecimento que impliquem não prejuízo a direitos de seus assistidos.
No caso da advocacia, o mecanismo de equilíbrio e ponderação escolhido pela lei foi o do chamado e famigerado “exame de ordem”.
No caso da medicina, a MP realiza a mesma ponderação e estipula dois anos de exercício da clinica no SUS como requisito para que o médico demonstre aptidão plena ao exercício da medicina, a exemplo de exigências semelhantes em outros países.
Pode ser que grande parte das pessoas passe pela vida sem precisar de um advogado, mas todos sem exceção, do mais rico ao mais pobre, precisarão de médicos, de preferência desde o momento de seu nascimento até sua morte.
E o que está em jogo no exercício da medicina é a saúde, a integridade física e a vida dos pacientes, valores mais relevantes de nossa ordem constitucional e de qualquer sistema razoável de valoração.
Por óbvio a liberdade de trabalho do recém formado em medicina não pode se sobrepor ao direito a vida e saúde de seus assistidos, a sociedade pode e deve estabelecer mecanismos de aferição de competência mínima para exercício da medicina, sendo o estagio clinico no serviço publico algo mais que razoável.
Por ser serviço público, o SUS atende a um grande contingente populacional o que possibilita ao recém formado enfrentar uma variedade de experiências clinicas que dificilmente teria em um serviço privado de medicina, portanto razoável também que e o estágio seja cumprido no SUS.
O cidadão não é “obrigado” a trabalhar no serviço público, apenas caso exerça a livre opção de ser médico, da mesma forma que é obrigado por sua livre opção a ser bacharel em medicina e para tanto cumprir internato em hospital etc.
Ora se na advocacia a obtenção do titulo de bacharel não é suficiente para exercício da profissão porque seria na medicina, que lida com direitos mais relevantes das pessoas?
A liberdade de exercício do trabalho não é plena, sofre limitações de outras liberdades e direitos, como a da vida e o da saúde pública.
Nada há de inconstitucional ou de irrazoável, a nosso ver, na exigência da MP dos médicos. Ela não atende apenas interesses dos pobres,mas sim de toda sociedade.
Mesmo o homem mais rico esta sujeito a sofrer um acidente na estrada e depender de atendimento num pronto socorro situado em lugar ermo e de um médico desconhecido para salvar sua vida.
Se o leitor sofrer um acidente numa rodovia e estiver entra a vida e a morte, prefere ser atendido por um simples bacharel em medicina, formado em Universidade privada, ou por um com dois anos de experiência real no SUS?