Carta de especialista em Saúde Mental condena resultado do Prêmio Vladimir Herzog 2008

O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde apóia carta do especialista em Saúde Mental, Prof. Dr. Paulo Amarante, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), encaminhada ao Sindicado dos jornalistas do Estado de São Paulo. O documento repudia recente premiação dada à reportagem “Sem hospícios, morrem mais doentes mentais” (jornal O Globo – 09/12/07) na 30ª edição do Prêmio Vladimir Herzog.

Leia a seguir a carta do Professor Paulo Amarante* na íntegra.

Prezados senhores e prezadas senhoras jornalistas responsáveis pelo Prêmio Vladimir Herzog, é com tristeza que recebemos a notícia da premiação da reportagem “Sem hospícios morrem mais doentes mentais” (O GLOBO , 09 de dezembro de 2007).

Não há duvidas de que é uma matéria claramente tendenciosa, que somente ouviu certos interessados na questão, estranhamente de duas páginas do Jornal O Globo, sem nenhuma propaganda, dando a entender nitidamente que se trata de uma matéria paga. Os dados são manipulados e falsos. Seu objetivo é o de esvaziar exatamente a luta dos profissionais e familiares e também os usuários que lutam contra a violência institucional em psiquiatria neste país e que, neste ano, receberam a Medalha Chico Mendes de Direitos Humanos concedida Pelo Grupo Tortura Nunca Mais com um comitê de pessoas que têm historicamente lutado contra a ditadura, esta mesma ditadura assassinou covardemente o jornalista Vladimir Herzog.

O objetivo implícito da matéria é o de defender os hospitais privados em psiquiatria que têm resistido às inovações que vêm acontecendo no âmbito da assistência às pessoas com problemas psíquicos neste país e que têm sido motivo de orgulho para nós e de elogios por parte dos organismos internacionais de saúde, como as Organizações Panamericana e Mundial de Saúde.

Não devemos esquecer que é nos porões da psiquiatria (fazendo menção ao histórico livro do jornalista Hiran Firmino, publicado pela Editora Codecri e premiado com o Premio Esso de Jornalismo – “Nos porões da loucura”), é que morrem abandonados milhares de pacientes psiquiátricos.

O Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela morte de um paciente, Damião Ximenes, em um hospital psiquiátrico privado em Sobral, no Ceará. O título de Hiran Firmino faz menção indireta à morte de Vladimir Herzog, que morreu nos porões da ditadura, e menção direta a tantos outros depoimentos e matérias jornalísticas que comparam os hospitais psiquiátricos brasileiros a campos de concentração, como já se referia a histórica reportagem da Revista O Cruzeiro em 1961 sobre tais instituições que são comparadas ao inferno.

A utilização do nome de Vladimir Herzog, sua luta, sua causa, foram manchados com esta premiação. Por favor, procurem reparar este enorme erro.

(*) Prof. Dr. Paulo Amarante, Professor Pesquisador Titular do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental Atenção Psicossocial-LAPS – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca – ENSP – Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ