Especialista avalia o estabelecimento de metas sociais no orçamento
O dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias – que estabelecia o envio de demonstrativos, por área de governo, ao Congresso Nacional com a discriminação das principais metas sociais relativas a programas e ações, identificando os montantes financeiros e as respectivas metas físicas – foi vetado pelo presidente Lula.
Organizações da sociedade civil manifestaram sua contrariedade ao veto, alegando que uma medida tão simples pode contribuir com a democratização dos processos orçamentários, a transparência e a ampliação dos recursos públicos aplicados na área social. Sobre o assunto, o especialista José Moroni, membro do Conselho Consultivo do Cebes e do Inesc, afirma que há uma total subordinação do poder à lógica do interesse do mercado/capital. Para entender as implicações deste veto ao controle social e a opinião do especialista sobre o assunto, veja a entrevista que José Moroni, concedeu ao Blog do Cebes.
Blog do Cebes: O envio de demonstrativos de metas sociais ao Congresso Nacional, como dispositivo previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, foi vetado pelo Presidente da República. Em sua opinião, que implicações este veto pode trazer para as ações de controle social?
José Moroni: A inclusão, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de necessidade do demonstrativo de metas sociais foi uma emenda apresentada pela sociedade civil e aprovada pelo Congresso Nacional, pois entendemos ser fundamental para o controle social. A estratégia da sociedade civil é colocar, no mínimo, em pé de igualdade as metas sociais com das metas fiscais.
Há uma total subordinação do poder à lógica do interesse do mercado/capital. Isso passa, por exemplo, pela manutenção do superávit primário, que é uma meta fiscal. Mas, por que esta questão de ter ou não metas fiscais? Por que uma pode e a outra não?
Este fato mostra a serviço de quem está a estrutura do Estado. Outro aspecto relevante é que o Estado se estruturou para atender aos interesses do mercado/capital. Isto é, o Estado divulga a cada momento vários indicadores que servem para o mercado como o valor do dólar, entradas e saídas de recursos do país, índices de inflação, balança comercial, etc. Por que devemos esperar anos para serem divulgados indicadores sociais? Por que o Estado não se estruturou para isso.
Além disso, o governo não quer se comprometer com metas sociais por que ele optou pelas metas fiscais. Depois de cumprir as metas fiscais o que sobrar vai para o social. Nesta lógica é impossível se pensar em metas sociais. Sem a definição destas, a sociedade cobra com base em quê? Qual é o papel dos conselhos se o governo não define claramente quais são as suas metas? Isso fica vazio, sem sentido.
Blog: O dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias previa que os governos incluíssem claramente no orçamento quais seriam as metas de redução das desigualdades sociais e quanto foi gasto no ano em curso, além das previsões de investimento nos anos seguintes para alcançar as metas estabelecidas. Qual é a importância em se estabelecer estes mecanismos nos órgãos públicos? Eles podem ser eficazes?
Moroni: Para nós esta é a função principal do Estado: é para isso que ele arrecada e existe. Não estamos falando nada de novo, basta ir à nossa Constituição Federal e ver o que ela diz sobre isso: que o principal objetivo do país é a diminuição das desigualdades. Sem isso o Estado perde a sua função principal. Senão para que temos Estado? Para nos reprimir? Para retirar renda das pessoas que menos tem, para dar àqueles que têm mais? Para que serve o Estado? A serviço de quem ele deve estar? Precisamos responder a estas perguntas.
O orçamento público deve refletir esta prioridade do Estado. Isto significa mais recursos para as chamadas áreas sociais e menos para o mercado, que se apropria de muitos recursos públicos só que com outros nomes.
Blog: O Fórum Brasil do Orçamento apresentou uma proposta de Lei de Responsabilidade Social em contraponto à Lei de Responsabilidade Fiscal, que permitirá, com responsabilidade fiscal, priorizar os gastos sociais e combater as desigualdades, buscando a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Em sua opinião, a equiparação da responsabilidade fiscal e social pode, de fato, garantir o controle social nos orçamentos governamentais. O que seria necessário para isso?
Moroni: Se tratando de uma sociedade capitalista este é um caminho para a diminuição das desigualdades. Eu sinceramente acho que mantendo a lógica de metas fiscais, o social vai estar sempre subjugado. Mas é o caminho para tencionarmos esta lógica, mostrando que existem alternativas.
O que precisamos fazer é colocar o Estado e também o orçamento público a serviço da maioria da população, combatendo o que existe hoje, em que a maioria fica com as migalhas através de políticas compensatórias. É necessário mudar esta lógica. Isso acontece com força, mobilização e formação política, além dos meios para se fazer a mudança.
Blog: Além dos espaços de controle social já existentes, em sua opinião, como a sociedade civil organizada pode intervir nestas discussões de forma a garantir a ampliação dos recursos para as políticas sociais? Quais seriam os meios para uma maior mobilização?
Moroni: Não conseguimos fazer dos espaços de controle social, espaços políticos de crítica desta ordem estabelecida. Eles acabaram se burocratizando e se institucionalizaram de tal forma, que a sua existência por si só já basta. Isso fez com que esses espaços perdessem seu peso político.
Outro aspecto é que muitas organizações apostaram tanto nestes espaços que esqueceram a sociedade. Esqueceram que nasceram para ser um instrumento mobilizador da sociedade; foram engolidas pela máquina. Existem outras que continuam de costas para o Estado, isto é, acham que é uma luta perdida e que o nosso papel é apenas de mobilizar, fazer formação política.