Criada por pressão popular, Ficha Limpa, sozinha, não garante ética

Lei aprovada no início do mês recebeu 2 milhões de assinaturas em seu favor, mas significa apenas um passo para a transformação ética na política
A aprovação do projeto de lei Ficha Limpa na Câmara dos Deputados, em 4 de maio, foi considerada uma vitória popular, já que o texto original, proposto pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, recebeu mais de dois milhões de assinaturas, coletadas por entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

No entanto, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, embora ressaltem a importância da norma, afirmam que ela, isoladamente, não garantirá a ética na política institucional brasileira.

A proposta impede a candidatura de pessoas condenadas por instâncias colegiadas da Justiça. Entre os crimes que poderão impedir a candidatura de um indivíduo, incluem-se a corrupção, abuso de poder econômico, homicídio, crimes contra o meio ambiente e a saúde pública, prática de trabalho escravo e tráfico de drogas.

Além disso, a lei determina um período de oito anos durante o qual o candidato ficará sem poder se candidatar. Atualmente, a Lei Complementar 64/90 estabelece casos de inelegibilidade fixados com prazos que variam de três a oito anos. O projeto também pune os políticos que renunciarem ao mandato para evitar abertura do processo de cassação. Aquele que o fizer se tornará inelegível nas eleições seguintes.

Essa lei será eficaz? Eu não sei. Eu não posso achar nada senão a partir do testemunho que vier da aplicação”, pondera Cláudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil. Ele acredita que qualquer legislação sempre frustrará os proponentes “porque será menos efetiva do que realmente esperamos”.

Problema “individual”

Cláudio vai além e toca no ponto em que os partidos pouco, ou quase nada, discutem. “O problema continuará independentemente da existência da lei. Os partidos políticos brasileiros não têm preocupação com a qualidade dos indivíduos que eles abrigam. Esse é um problema fundamental”, critica.

Para o filósofo e membro do colegiado do Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), José Antônio Moroni, o fato da lei Ficha Limpa ter sido constituída a partir de iniciativas populares e de reunir mais de 2 milhões de assinaturas a seu favor fez a diferença. “Vários projetos apresentados por parlamentares iam mais ou menos nessa direção e estavam há anos paralisados, mas foi necessária essa mobilização toda”, afirma. Moroni enfatiza que essa situação mostra o quanto o Parlamento brasileiro está desvinculado dos desejos da população.

Por esse e outros motivos, o membro do Inesc acredita que faltou, dentro da estratégia da função pedagógica da participação popular, insistir à sociedade que, no atual sistema político brasileiro, os partidos políticos aceitam pessoas sem critérios algum e, pior, o fato de ser político gera privilégios e proteção contra punições da Justiça. “Se as pessoas que estavam com problemas na Justiça se utilizam dos mandatos para ficar imunes, pode-se chegar à conclusão que a participação na política institucional no Brasil serve para construção de privilégios”, critica.

Reforma

Projetos como o Ficha Limpa precisam ser trabalhados dentro do contexto de uma reforma política no Brasil. É o que pensa Moroni. Ele acredita que o Ficha Limpa somente apontará uma direção, mas, isoladamente, não é um instrumento capaz de mudar a forma de fazer política no Brasil.

Para tal, formaria mais conteúdo à própria sociedade. “Como a gente não tem força política de forçar uma reforma política radical, a estratégia é fazer alguns ajustes”, conclui.

Para Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a aprovação do Ficha Limpa mais que rendeu uma lição política: “mostrou que dá trabalho, mas que temos possibilidade”.

Fonte: BRASIL DE FATO