Em artigo no Globo, médico escreve contra ressarcimento dos planos de saúde ao SUS

Texto foi publicado no espaço “Opinião”.

“vínculos diretos ou indiretos com planos de saúde”?

ROBERTO COOPER

Há uma tese, defendida por alguns, inclusive jornalistas bem esclarecidos, de que os planos de saúde se beneficiam (leia-se lucram) com o fato de que seus segurados, ao serem atendidos em hospitais públicos, nada pagam por esse atendimentos. Por esse raciocínio, os planos de saúde devem uma pequena fortuna ao Estado, além de ficarem com a pecha de malandros ou espertos.

Esse raciocínio contém alguns equívocos. O primeiro e mais grave é o de que quem tem um plao de saúde privado também paga, compulsoriamente, via impostos, o plano de saúde público, SUS. Assim, todo atendimento prestado pela rede pública de saúde já está pré-pago pelo cidadão. Não há explicação razoável para que um pagamento seja feito duas vezes, pelo mesmo serviço. Nessa linha de raciocínio, seria de se esperar que, toda vez que uma pessoa que tem um plano de saúde privado for atendida em um hospital ou consultório particular, o SUS fará um pagamento a esta estrutura. Não é preciso ser um intelectual sofisticado, com grande conhecimento, para ver o contrassenso que existe numa exigência que só funciona em uma via.

O segundo equívoco deste raciocínio que sugere que os planos devem ao Estado vem do desconhecimento de como o sistema de saúde brasileiro é constituído. Ele é formado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo sistema complementar (sistema privado). Mais, a nossa constituição afirma que a saúde é um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado. Não especifica que os cidadãos que têm plano não têm esse direito ou que precisariam pagar duas vezes para ter esse direito.

Um problema prático decorrente dessa postura de exigir que os planos paguem aos hospitais públicos é o de que não teríamos garantia alguma de que, em algum tempo, não ser criariam privilégios ou conveniências para o atendimento de pacientes com plano privado, nos hospitais públicos. Percebendo que esse atendimento traria recursos importantes e necessários para os hospitais públicos, estes acabariam criando atendimentos diferenciados, injustos, portanto, para quem tem plano. Isso é apenas uma conjectura, mas, se tratando de Brasil, onde em se plantando, tudo dá, não é uma peça de ficção absoluta.

Só aceitaria a tese de que os planos de saúde deveriam pagar por atendimento prestado por hospitais públicos a seus segurados se tivéssemos a opção de escolher um único plano. Se pudéssemos não pagar o plano de saúde público, SUS, aí sim eu seria um defensor de que planos de saúde privados devem pagar por esses atendimentos. Como pagamos por dois planos de saúde, o SUS que pague o que for atendimento público e o plano privado pelos serviços prestados em hospitais particulares.

Talvez, quem defenda a posição de que planos devem ao Estado nem se preocupe em pensar nessa lógica de que pagamos dois planos. Eventualmente, é uma posição inflexível, contrária à iniciativa privada. Um fundamentalismo disfarçado de bom-mocismo.

ROBERTO COOPER é médico, sem vínculos diretos ou indiretos com planos de saúde.
O GLOBO – 02 de fevereiro de 2011.