A ajuda internacional funciona
Valor Econômico – 04/06/2012
Os críticos dos programas de auxílio internacional estão errados. Uma enxurrada cada vez maior de dados mostra que os índices de mortalidade em muitos países pobres vêm caindo de forma acentuada e que o apoio internacional à assistência sanitária teve papel fundamental nisso. A ajuda realmente funciona, e salva vidas.
Um dos estudos mais recentes *, de Gabriel Demombynes e Sofia Trommlerova, mostra que a mortalidade infantil (mortes de crianças com menos de um ano) no Quênia teve forte queda nos últimos anos e atribui parte significativa desse avanço à distribuição em massa de telas mosquiteiras para combater a malária. Essas conclusões seguem a mesma linha de um importante estudo sobre a mortalidade provocada pela malária **, de Chris Murray e outros pesquisadores, que também revelou declínio alto e significativo nas mortes com a doença na África Subsaariana depois de 2004, em decorrência de medidas de controle da malária pela assistência internacional.
Voltemos no tempo 12 anos. Em 2000, a África padecia de três grandes epidemias. A aids matava mais de 2 milhões de pessoas por ano e se disseminava rapidamente. A malária crescia porque o parasita criava maior resistência aos medicamentos tradicionais da época. A incidência de tuberculose também aumentava, em parte como resultado da epidemia de aids e em parte pela maior resistência da infecção aos remédios. Além disso, a cada ano, centenas de milhares de mulheres morriam por problemas no parto, como a falta de acesso a cuidados seguros em clínicas e hospitais ou a falta de assistência em casos de emergência.
As mortes de crianças por malária na África diminuíram de 1 milhão em 2004, para cerca de 700 mil em 2010. Ou seja, os céticos estão errados. O apoio à assistência sanitária e programas de saúde tiveram papel fundamental nisso e salvam vidas.
Essas crises interligadas levaram à adoção de medidas. Os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) adotaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) em setembro de 2000. Dos oito ODMs, três estavam focados diretamente em questões de saúde – diminuição das doenças epidêmicas e das mortalidades infantil e materna.
Da mesma forma, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez uma grande convocação para que se ampliassem os programas de desenvolvimento ao setor de saúde. E líderes africanos, encabeçados pelo então presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, assumiram o desafio de combater as epidemias do continente. A Nigéria foi sede de duas reuniões de cúpula históricas, uma sobre a malária, em 2000, e outra sobre a aids, em 2001, que foram cruciais para estimular ações.
No segundo encontro, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, defendeu a criação de um Fundo Mundial de Combate à Aids, Tuberculose e Malária. O Fundo Mundial começou a operar em 2002, financiando programas de prevenção, tratamento e assistência das três doenças. Países de alta renda também finalmente concordaram em reduzir as dívidas de países pobres altamente endividados, permitindo-lhes gastar mais em assistência médica e menos em pagamentos paralisantes a credores.
Os Estados Unidos também agiram, com a adoção de dois grandes programas, um contra a aids e outro para combater a malária. Em 2005, o Projeto do Milênio da ONU recomendou maneiras específicas de intensificar a atenção primária à saúde nos países mais pobres, com os de alta renda ajudando a cobrir os custos. A Assembleia Geral da ONU apoiou muitas das recomendações do projeto, que foram, então, adotadas em vários países de baixa renda.
Como resultado de todos esses esforços, a ajuda dos doadores começou a aumentar de forma acentuada. Em 1995, o auxílio total para assistência médica girava em torno a US$ 7,9 bilhões ***. Esse volume, insuficiente, começou a subir lentamente até 2000, quando chegou a US$ 10,5 bilhões. Em 2005, o volume de ajuda para programas de saúde havia aumentado em mais US$ 5,9 bilhões e, em 2010, crescido em mais US$ 10,5 bilhões, chegando a US$ 26,9 bilhões.
O aumento no financiamento permitiu importantes campanhas contra a aids, tuberculose e malária; um grande aumento dos partos seguros e ampliação da cobertura por vacinas, incluindo a quase erradicação da pólio. Foram criadas e adotadas muitas técnicas de saúde pública. Considerando que há 1 bilhão de pessoas morando em países de alta renda, a assistência total em 2010 custou US$ 27 a cada pessoa nas nações doadoras – uma quantia modesta para eles, mas suficiente para salvar vidas nos países mais pobres.
Os êxitos na saúde pública podem ser vistos em muitas frentes atualmente. Cerca de 12 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram em 1990. Em 2010, esse número havia caído para aproximadamente 7,6 milhões – ainda muito alto, mas definitivamente um avanço histórico. As mortes de crianças por malária na África diminuíram de um pico em torno a 1 milhão em 2004, para cerca de 700 mil em 2010. No mundo, as mortes de mulheres grávidas caíram quase pela metade entre 1990 e 2010, de um número estimado de 543 mil para 287 mil.
Um volume adicional de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões no auxílio anual (ou seja, cerca de US$ 10 a US$ 15 por pessoa no mundo de alta renda) levaria o total para cerca de US$ 40 bilhões por ano e possibilitaria progressos ainda maiores nos próximos anos. Os ODMs para a saúde podem ser cumpridos, mesmo em muitos dos países mais pobres do mundo.
Infelizmente, a cada passo dado durante os últimos dez anos – inclusive nos dias de hoje -, um coro de céticos do auxílio internacional argumenta contra a necessidade de ajuda. Sustentam repetidamente que a ajuda não funciona; que os fundos são simplesmente desperdiçados; que as telas antimalária não devem ser dadas aos pobres, já que os pobres não as usam; que os pobres não tomarão remédios contra a aids; e assim por diante. Seus ataques são incansáveis (já enfrentei minha cota).
Os críticos do auxílio não estão simplesmente errados. Seu ruidoso antagonismo também ameaça o financiamento necessário para concluir o trabalho; para reduzir as mortalidades infantil e materna aos níveis defendidos pelos ODMs em 2015 nos países mais pobres; e para, depois disso, continuar assegurando que todas as pessoas em todos os lugares, enfim, tenham acesso a serviços básicos de saúde.
Dez anos de progressos significativos na saúde provaram que os céticos estão errados. A ajuda internacional concedida a programas de saúde funciona – e funciona de forma magnífica. Salva vidas e melhora padrões de vida. Deixem que continuemos apoiando esses programas que salvam vidas e defendem a dignidade e bem-estar de todas as pessoas do planeta. (Tradução de Sabino Ahumada).