A epidemia do futuro e o futuro da epidemia
Por Carlos Varaldo*
Temos um grave problema de saúde pública em conseqüência de mal que assola de forma crônica 350 milhões de pessoas no mundo, 2 milhões de brasileiros, segundo a Organização Mundial de Saúde: a hepatite b. A doença já virou epidemia e se alastra com uma rapidez impressionante, sendo considerada atualmente uma das maiores viremias crônicas da humanidade. Seus números se tornaram tão expressivos quanto o desconhecimento em relação à doença.
Assim como o HIV/Aids, a hepatite b é doença sexualmente transmissível. Entretanto, seu vírus chega a ser 100 vezes mais infeccioso do que o da Aids e o número de infectados no mundo oito vezes maior em relação à Aids. A falta de conhecimento sobre a hepatite b e o aparente desinteresse das autoridades em relação à doença resultam em dados alarmantes: apenas um em cada 800 infectados recebe tratamento no Brasil pelo SUS, enquanto a relação para o HIV é de um em cada três infectados.
Por isso, todos os anos, pessoas morrem em função do comprometimento do fígado causado pelo vírus da hepatite b, essa doença silenciosa que pode levar a quadros crônicos, ao desenvolvimento de cirrose ou ao câncer.
A boa notícia é que os avanços da medicina e das pesquisas científicas têm proporcionado verdadeiro arsenal de medicamentos aprovados no Brasil pela Anvisa. No entanto, inexplicavelmente, esses medicamentos não são fornecidos pelo SUS para tratamento dos pacientes que dependem do sistema público.
O protocolo que regula o tratamento da hepatite b no SUS é do ano 2002, portanto baseado em estudos até 2001 e defasado de todas as últimas inovações científicas. No dia 12 de novembro, completaram-se seis anos com a utilização dos medicamentos disponíveis naquela época. Desde o último protocolo, novos medicamentos revolucionaram a resposta terapêutica para a doença, apresentando excelentes resultados, infelizmente indisponíveis na rede pública, que ainda conta basicamente com a Lamivudina, um medicamento mais antigo, que gera resistência viral em 70% dos pacientes, de acordo com os mais recentes estudos científicos.
Tal como na Aids, o vírus da hepatite b é mutante, apresentando a característica de criar resistência aos medicamentos. Dessa forma, é fundamental a mudança imediata para outra opção terapêutica, caso contrário a transmissão da hepatite b torna-se ainda mais grave, por conta de ser um vírus diferenciado e resistente a diversos medicamentos.
O Brasil passa então à condição de criador de cepas do vírus, ou seja, de disseminador de vírus resistentes às mais recentes opções de medicamentos. É desalentador observar que a vontade política existente para a epidemia da Aids não seja a mesma em relação à hepatite b.
Além da iminente necessidade de alteração do protocolo e disponibilização dos mais modernos medicamentos para a hepatite b, é preciso que o governo dê mais atenção à disseminação de informações sobre a moléstia e campanhas de vacinação.
A vacina para evitar a contaminação é altamente eficaz e fabricada no Brasil nos laboratórios oficiais a um custo bastante viável. Entretanto, a cobertura vacinal é muito deficiente devido à inexistência de campanhas nacionais. Percebemos que não há por parte do Ministério da Saúde esforços em divulgar a disponibilidade da vacina, uma situação que não encontra explicação entre os especialistas.
É incompreensível que os programas nacionais ligados à Aids e à hepatite b não estejam de alguma maneira conectados, já que as formas de contágio são as mesmas e que o infectologista que trata HIV/Aids está capacitado a tratar a hepatite b. Desde a sua criação, em fevereiro de 2002, o Programa Nacional de Hepatites Virais, que é ligado ao Ministério da Saúde, tem por objetivo estabelecer diretrizes no SUS para identificar as hepatites virais. Entre as prioridades desse programa deveria estar a atualização da lista de medicamentos para pacientes atendidos pelo SUS.
Pior ainda: na página do Ministério da Saúde, na relação de doenças sexualmente transmissíveis do Programa DST/Aids, há informações sobre 15 DSTs, mas a hepatite b nem é citada. Por que censurar informações sobre a doença à população? A falta de conhecimento e de vontade política ajuda a doença a se alastrar de forma avassaladora, ganhando o triste status de epidemia do futuro.
(*) Carlos Varaldo é presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, vice-diretor da World Hepatitis Alliance. Artigo publicado no Correio Braziliense, dia 24/11/08.