A esquerda deve botar o bloco na rua?
Em debate com Cebes, João Paulo Rodrigues, membro do MST, Frente Brasil Popular e via Campesina, aponta diagnóstico atual e caminhos para que a esquerda volte a ocupar as ruas em seu espaço histórico de lutas.
Em ano de eleições municipais e efervescência política, a esquerda brasileira ainda busca localizar formas de demonstrar forças para tentar alguma mudança na conjuntura. A manifestação convocada neste último domingo (25) na avenida Paulista, em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro foi um exemplo de como a direita ainda consegue se mobilizar no país.
Colocar o bloco da esquerda na rua foi o tema do Cebes Debate desta segunda-feira (26) com a participação de João Paulo Rodrigues, membro da coordenação nacional do MST, Frente Brasil Popular e via campesina. O encontro mediado pela vice-presidente Lenaura Lobato contou com a presença do presidente do Cebes, Carlos Fidelis, e da diretora Ana Maria Costa.
Fidelis mencionou o evento do dia anterior, que segundo a USP reuniu 185 mil pessoas no ato da direita em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. “A gente discute uma certa dificuldade de comunicação do nosso campo, como também um distanciamento das comunidades ao mesmo tempo que a gente percebe uma efervescência de movimentos sociais em todos o país”, disse. “A gente ainda não pegou o jeito de fazer o enfrentamento nas ruas. Que problema a gente tem? É um problema de comunicação, de distanciamento, de lutas específicas em oposição às lutas estruturais? Enfim, como a gente poderia colocar o bloco na rua”.
Para João Paulo o ato pró-Bolsonaro deste domingo é grave, pois configura a “volta da direita à cena do crime”, lembrando dos atos que deram início ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016. “Eles voltam com a mesma propaganda e a mesma lógica de mobilização. Foi um ato que tinha comando, não tem essa de auto-gestionado. Foram centenas de ônibus do Rio de Janeiro e do interior de São Paulo”.
João Paulo aposta em cinco grandes frentes que fazem parte da mobilização da direita atualmente no país: congresso nacional, governos de estados, bancos, agronegócio e a articulação nos meios de comunicação, especialmente a internet. “Demonstra um processo muito forte de articulação e na minha opinião precisa que a gente olhe com muito cuidado para desfecho até chegarmos nas eleições municipais deste ano”.
Pautas da esquerda – A organização das pautas ainda parece ser um dilema no campo da esquerda. Talvez essa seja uma das razões da dificuldade em articular um posicionamento forte suficiente para ocupar as ruas. João Paulo analisou que esta é uma questão que não faz parte da natureza do governo Lula. “Se você for pegar os governos da América Latina, sempre foi com povo na rua. O último ato de 1º de maio na Colômbia tinha 300 mil pessoas na rua, o último ato do governo Lula tinha 15 mil pessoas”, apontou. Para ele, este é um fato que dificulta a mobilização da esquerda, já que ela tende a aguardar uma sinalização por parte da liderança.
O primeiro grande ato previsto para este ano deve ser o 8 de março (Dia Internacional das Mulheres) na pauta de direitos, mas também em favor da democracia. “Se nós como esquerda, transformarmos o 8 de março nas ruas num grande palco de luta, nós podemos surpreender e ser a primeira grande ação de resistência ao golpismo e à lógica de mobilização do bolsonarismo”.
Outra possível mobilização deve ser convocada para o dia 24 de março, que antecede a marca dos 60 anos do golpe de 64, ato que deve ser comemorada por setores da direita. O evento é uma proposta do MST e Frente Povo Sem Medo e pretende ser um grande ato de rua em todo o país ou em alguma capital com a palavra de ordem: não haverá golpe de novo.
Para a diretora do Cebes, Ana Maria Costa é um momento delicado em termos de desafios para a esquerda nacional que ainda não conseguiu se unificar em uma pauta. A diretora apontou que a esquerda ainda busca consenso em pautas específicas de grupos identitários e a retomada de uma pauta radical de luta de classes.
“Esse março de lutas que começamos a desenhar nos traz algumas perguntas: estão as nossas frentes (Povo sem Medo e Brasil Popular) com a força suficiente para essa convocatória? O quanto nós podemos, enquanto movimentos sociais e entidades do campo democrático, auxiliar nessa convocatória?”. Ana Maria lembrou da força do movimento feminista desde o “ele não” até a organização do próximo 8 de março.
Caminhos para a organização – João Paulo Rodrigues lembrou que existem muitos pontos a serem levados em consideração neste processo de reorganização da esquerda nas ruas, um deles é a batalha ideológica travada quando a direita, com apoio internacional, se uniu para tirar uma presidente democraticamente eleita do poder. “Ali fomos derrotados não só politicamente, mas também uma derrota ideológica, por isso temos que pensar o que fazer nesse próximo período”, ponderou.
“Ainda não saímos desse mar de lama ideológica que a direita despejou sobre nossas cabeças”.
Uma das situações apontadas por João é a falta de preparo e de convocação por parte do governo Lula para que a esquerda ocupe as ruas. “Ainda não tivemos nenhum ato capaz de modificar a conjuntura”. Para ele, neste momento qualquer mobilização terá que ser em frente ampla com orientação política. “Na história recente, as mobilizações populares no Brasil, não são espontâneas. Não consigo imaginar um movimento de massa da esquerda à revelia do governo Lula”.
Tarefas políticas – Em ano de eleição, a sensação que temos é que o país ainda vive uma profunda divisão. O evento encampado pela direita no domingo (25) deixa isso mais explícito. Para João, entre as tarefas políticas do momento deve estar o aumento da base popular do governo e a base dos movimentos sociais. “Os movimentos precisam voltar a fazer luta, com o governo gostando ou não”, apontou. Outra possibilidade seria o posicionamento do movimento sindical, no entanto, não parece que este seja um horizonte muito próximo.
“O MST está se propondo a fazer lutas em abril. Vamos para as ruas mobilizar”. Outros pontos destacados por João dentro das tarefas é a construção de uma coordenação política de “quem quer fazer lutas” e a preparação para as eleições municipais.
A comunicação foi destacada por João como um aspecto fundamental para uma mudança na conjuntura atual. “O que a comunicação está falando com a periferia, com os evangélicos, com o campo? Isso seria fundamental para avançar e caminhar numa linha de luta política”. João destaca a importância de uma comunicação que realmente seja compreendida pelo povo. “Nossa esquerda está num distanciamento popular”.
Este, para João, é um momento muito importante para a realização de debates. “Vamos ter que nos juntar, no debate, na reflexão, na crítica e na luta. E só é possível fazer isso através de um debate como esse que estamos fazendo”.
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