A GESTÃO DA PANDEMIA NO PARANÁ: como chegamos a 25 mil mortes
Núcleo Paraná do Cebes – Nota Nº 01/2021 – Maio de 2021
O Núcleo do Cebes/Paraná foi fundado oficialmente em 01 de abril de 2021, resultado de articulações que se iniciaram em 2020. Contribuíram para a sua criação experiências regionais, especialmente o Núcleo do Cebes de Cascavel, criado em julho de 2008 e que a partir de agora se integra ao Cebes/Paraná. Este Núcleo conta atualmente com cerca de 40 pessoas, entre estudantes, professores, trabalhadores da saúde, gestores e militantes de movimentos sociais.
Esta nota traz uma análise do grupo sobre a condução da pandemia no estado do Paraná, levantando fragilidades que resultaram em um agravamento do cenário. São elas:
1. A existência de um discurso único proferido pelo governo estadual, reproduzido pela grande mídia e, impermeável a críticas e sugestões. Também é perceptível o alinhamento com ações e omissões do desgoverno federal. Essa postura, impede a realização de mudanças necessárias diante da dinamicidade da própria pandemia. Além disso, limita a contribuição de instituições acadêmicas, de outras instâncias da gestão pública e da própria sociedade. As quais com base em pesquisas, análises e na própria observação empírica da dinâmica da pandemia poderiam auxiliar no melhor enfrentamento da COVID-19 no estado do Paraná.
2. Não houve articulação do poder público na política de rastreamento e monitoramento dos contatos de casos confirmados, situações que favorecem fortemente o descontrole da doença e o aumento do número de óbitos. Em várias regiões do estado, a interrupção do rastreamento de contatos mostra que na gestão da saúde não foram acatadas as sugestões dadas por organismos internacionais, como a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e mesmo instâncias colegiadas de gestão do SUS como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) dos estados, o Conselho Nacional de Saúde, (CNS) e entidades do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entre outras.
Ainda que pese a dificuldade de se fazer o rastreamento dos contatos, testagem e isolamento destes pelo posicionamento contrário do governo federal e sua “política de imunidade de rebanho”, o rastreamento de doenças infecciosas é função da vigilância em saúde, o que não exime o governo estadual de sua responsabilidade. No entanto, seguindo a lógica do governo federal, essa responsabilidade, estrategicamente foi colocada para a população que deveria sozinha identificar seus contatos, realizar testagem ou não e porventura isolar-se se assim permitissem as políticas internas das empresas em que trabalham. Obviamente que a não condução deste processo por parte do governo estadual, a não testagem dos contatos e a necessária articulação com os empregadores, trouxe ao Paraná uma elevada taxa de contaminação, aumento expressivo dos óbitos, muitos surtos nos ambientes de trabalho e decretos municipais de saúde sem base epidemiológica. Segundo Boletim da Fiocruz, na semana epidemiológica 18 (02/05 a 08/05), sete estados encontram-se com taxas de ocupação iguais ou superiores a 90%: Piauí (90%), Ceará (90%), Rio Grande do Norte (95%), Pernambuco (96%), Sergipe (97%), Paraná (93%) e Santa Catarina (91%) e Sete capitais estão com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 iguais ou superiores a 90%: Porto Velho (92%), Teresina (96%), Natal (92%), Aracajú (99%), Rio de Janeiro (93%), Curitiba (92%) e Goiânia (92%). (FIOCRUZ, 2021a).
Ainda segundo o Boletim Observatório COVID-19 da Fiocruz, foi observada a manutenção de altas taxas de letalidade no país, dada pela proporção de casos que resultaram em óbitos por Covid-19, que vinham se mantendo em torno de 2% até o início do ano, subiram para 3% em março e na semana 17 (25/04 a 01/05) alcançaram o valor de 4,1%. A maior taxa de letalidade foi observada no estado do Rio de Janeiro (8,1%), sendo ainda preocupante a situação de São Paulo, Paraná, Goiás e Distrito Federal, com taxas próximas a 5%. Os valores elevados de letalidade revelam graves falhas no sistema de atenção e vigilância em saúde nesses estados, como a insuficiência de testes diagnóstico, da triagem de infectados e seus contatos, identificação de grupos vulneráveis, bem como incapacidade de se identificar, internar e tratar casos graves de Covid-19. (FIOCRUZ, 2021a).
A taxa de mortalidade do Paraná, analisada por número de óbitos a cada 100 mil habitantes, está maior do que a média nacional. A taxa de mortalidade do Brasil na semana epidemiológica 18 (02/05 a 08/05) se encontra em 201,4/100 mil habitantes e a taxa de mortalidade no Paraná em 207,1/100 mil habitantes. O Paraná neste momento se encontra com alta taxa de mortalidade, figurando entre os estados com maior letalidade, necessitando da reorganização e ampliação da estratégia de testagem, da implementação efetiva da estratégia de rastreamento para reduzir a pressão sobre os serviços hospitalares. Importante entender que o Paraná permanece em nível crítico de taxa de ocupação de leitos de UTI desde o dia 18 de janeiro e uma nova explosão de casos de Covid-19 a partir do patamar epidêmico atual, que permanece elevado e com a saturação dos leitos hospitalares desde janeiro, será catastrófico. A manutenção da saturação dos leitos hospitalares e alta letalidade no estado sugere um represamento de demanda na alta complexidade, dado que os números de leitos de UTI não permitem mais a sua expansão, visualiza-se também o cenário de aumento de mortes em longo prazo por desassistência (FIOCRUZ, 2021b).
Uma última análise sobre a falta da política de rastreamento de contatos no estado do Paraná é ainda sobre o rejuvenescimento da pandemia colocado pelo próprio boletim da SESA/PR (SESA, 2021). A alta incidência da doença nos adultos jovens, o aumento da mortalidade nesta população e a vacinação não destinada a este público, “traz um lembrete de que as gerações mais jovens serão duramente penalizadas caso não consigamos conter a disseminação do vírus”. (FIOCRUZ, 2021b, p.07).
3. Outro ponto importante é a Atenção Básica que não foi posta no centro do debate, dado que a discussão alimentada pela mídia ficou centrada na quantidade de leitos hospitalares, no número de respiradores, na ocupação de leitos de UTI, enfim na assistência de alta complexidade. O foco dado pela imprensa nas ações implementadas no âmbito da alta complexidade, nas taxas de ocupação dos leitos de UTI e na responsabilização individual no controle da pandemia pautado no cuidado individual, teve um preço muito alto para os paranaenses que passaram a enfrentar o colapso do sistema de saúde. Essa culpabilização do sujeito pelo seu adoecimento retira do estado a responsabilidade pelo controle da pandemia, reduzindo a solidariedade e o cuidado com o outro. Tal mensagem reforça na população a falsa segurança para a livre circulação e aposta nos tratamentos precoces ineficazes para a COVID-19, pautados nas atitudes negacionistas e de divulgação de medicamentos do governo federal em vez da prevenção da doença. A ideologização da saúde e da medicina, evidenciado no alinhamento de associações médicas com elites empresariais e resultado prático de entregas de Kits COVID à população, ainda que pese o esforço da Sociedade Brasileira de Infectologia, cujo presidente é paranaense, em trazer à razão os médicos para o melhor tratamento e manejo da COVID-19 à luz das melhores evidências científicas, é gravíssima para o cuidado em saúde e ainda contribui com o aumento do número de óbitos, resultando em mais de 25 mil mortes no estado e mais de 440 mil no país até meados de maio de 2021.
4. A ausência de uma matriz de risco clara para as 22 regiões de saúde do Paraná, com critérios pactuados em Comissão Intergestores Bipartite (CIB Estadual) com possibilidade de análise e pactuação nas Comissões Intergestores Regionais (CIR) em conjunto com os Centros de Operações Estratégicas (COEs) conforme orientações do Conass, Conasems e de análise regional. A falta dessa matriz de risco de olhar regionalizado fragilizou o processo de tomada de decisão dos COEs municipais e permitiu as mais diversas influências, principalmente políticas, nas tomadas de decisões e construção de decretos municipais pelos prefeitos, resultando em medidas contraditórias simultâneas em diferentes cidades. Isso não é pouca coisa, porque o vírus brinca com a nossa arrogância e falta de organização coletiva, na medida em que um município não segue as mesmas orientações sanitárias que seu vizinho, não se caminha coletivamente para a diminuição da circulação viral. Com isso foi negada aos paranaenses a possibilidade de identificar visualmente e pedagogicamente a situação epidemiológica da sua região de saúde e do seu estado como um todo e compreender as ações de fechamento e abertura de determinados serviços essenciais ou não, com base em critérios sanitários. Os impactos e as consequências desse cenário são ainda mais fortes nos municípios pequenos que representam cerca de 78% das cidades paranaenses que se mostram extremamente dependentes da coordenação do ente estadual para a tomada de decisão.
5. A interrupção de estratégias que estavam tendo êxito, como por exemplo, o Programa de Apoio Institucional para Ações Extensionistas de Prevenção, Cuidados e Combate à Pandemia do Novo Coronavírus, financiado pela Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná (FA) em parceria com a SESA, Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), no âmbito das Regionais de Saúde, que abrangeu vários municípios do Paraná, pode ter consequências negativas no combate à pandemia no estado. O desenvolvimento deste projeto foi fundamental pois possibilitou a prevenção, o registro epidemiológico da Covid19 e o atendimento à população em diversos espaços, contribuindo com o plano de contingência do Estado do Paraná. O Projeto contou com a atuação de profissionais da saúde e alunos dos últimos anos dos cursos de graduação da área da saúde, que receberam bolsas e também contou com a estruturação de Call Center’s, nas Universidades Estaduais do Paraná, estruturados com o objetivo de promover ações importantes de prevenção a Covid-19 para diminuir o fluxo de pessoas nas unidades de saúde, ajudando a manter o isolamento social, protegendo os profissionais de saúde, e tranquilizando a população. Através dessa central de atendimento foi possível encaminhar usuários para atendimento especializado utilizando duas frentes de trabalho, o telefônico via 0800 e a plataforma Victória Paraná, criada pelo governo do estado. Este projeto seguiu as diretrizes do Edital 09/2020 – Fundação Araucária (FA)/ Superintendência de Ciência e Tecnologia (SETI)/, Secretaria de Estado da Saúde (SESA), sendo que as ações tiveram início em março de 2020 e infelizmente foram suspensas com o esgotamento do repasse financeiro para custeio do referido edital no início de 2021 justamente no período mais crítico da pandemia.
6. Os municípios devida a Lei Complementar 173 de 27 de maio de 2020, estão impossibilitados de ampliar seu quadro de funcionários efetivos até dezembro de 2021, podendo apenas neste momento fazerem reposição de funcionários e contratos temporários, o que traz mais relevância para o projeto financiado pela fundação araucária e mais um problema que se soma nos resultados sanitários da pandemia no Paraná.
7. Por fim, denunciamos como gravíssimo o aumento da mortalidade materna no Paraná, cujos números de abril de 2021 contabilizam mais óbitos do que todo o ano de 2020, com especial gravidade no número de óbitos nas puérperas. Consideramos importante destacar a demora de criação de estratégias de enfrentamento específicas para este grupo de risco; a demora de divulgação aos municípios na mudança do padrão dos óbitos (não sendo mais as gestantes de alto risco e sim todas as gestantes do último trimestre, as puérperas e também as gestantes com comorbidades); a articulação tardia de ações nos pontos de atenção e o não alinhamento na promoção da saúde e da vida das gestantes paranaenses; ausência de assistência adequada ao pré-natal, parto e puerpério. Esta população vulnerável foi negligenciada no estado do Paraná.
Apesar das fragilidades apontadas, merecem reconhecimento os esforços dos profissionais da saúde, dos municípios e do estado na campanha de vacinação contra a COVID-19, que deve ser para todos e por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI). Não fosse o Sistema Único de Saúde (SUS), a realidade poderia ser ainda pior. É tempo de reflexão, é tempo de autocrítica e de colocar a Atenção Básica, o território municipal e regional no centro do debate. Neste momento da pandemia, onde a variante indiana nos aproxima com potencial risco ao Paraná pelos casos já encontrados na Argentina, cabe o reforço das ações de vigilância em saúde na estratégia de rastreamento de contatos e diminuição da incidência da doença, na triagem de casos graves e encaminhamento adequado para serviços de saúde mais complexos, bem como no melhor aconselhamento da promoção da vida com a população e na redução da pressão sobre os serviços hospitalares.
O Núcleo do Cebes/PR luta pelo direito à saúde, em defesa do SUS e pela valorização dos profissionais da saúde. Nosso intuito é a defesa da saúde como direito de cidadania e entendemos que é preciso um movimento articulado e bem informado para marcar posição no cenário estadual, agravado imensamente pela conjuntura nacional, tanto na perspectiva da pandemia quanto da agenda liberal executada pelo Governo Federal.
REFERÊNCIAS
Boletim extraordinário Observatório COVID-19 FIOCRUZ 12 de maio de 2021a. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_extraor dinario_maio_2021.pdf. Acesso dia 17 de maio de 2021.
Boletim Observatório COVID-19 FIOCRUZ semanas epidemiológicas 16 e 17 de 2021b. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_2021_s emanas_16_17.pdf. Acesso dia 17 de maio de 2021.
Boletim SESA Paraná. Disponível em:
https://www.saude.pr.gov.br/Pagina/Coronavirus-COVID-19. Acesso dia 17 de maio de 2021.