A pandemia de coronavírus: proteção da população ou descaso com a vida?

por Paulo Henrique Rodrigues e Lusiana Chagas Gerzson

Desde o final do ano passado, começou a se desenvolver a atual pandemia de Covid-19, um tipo de gripe causado por uma espécie de vírus até então desconhecida. Segundo artigo publicado na prestigiada revista Nature, por Kristian Andersen e outros (março de 2020), o coronavírus é o nome de uma Família de vírus, com sete espécies que atacam os seres humanos. Três espécies provocam doenças severas: Mers-Cov, que causa a Síndrome respiratória do Oriente Médio; a SARS-Cov, que causa a Síndrome respiratória aguda grave; e o SARS-Cov 2, que causa a Covid-19 e provocou a atual pandemia, segundo o biólogo Luiz Vassoler.

O vírus é transmitido por gotículas da tosse ou espirros de um paciente infectado e através do contato físico entre pessoas, por isso são importantes: o uso de máscaras em público; o isolamento dos pacientes; a limitação do movimento das pessoas; e, sobretudo, a lavagem das mãos. A doença também pode ser transmitida pelo contato com objetos com a presença do vírus. O SARS-Cov 2 se mantém vivo por algumas horas fora do corpo do doente, ficando vivos, entretanto, por apenas seis horas sobre as roupas usadas, por exemplo, Este vírus tem uma capacidade de transmissão muito elevada, mas os pacientes infectados apresentam baixo índice de mortalidade se comparado as de outros vírus. Segundo o médico infectologista, Estevão Portela Nunes, a partir dos 70 a 80 anos de idade a letalidade da doença, ou sua capacidade de causar mortes aumenta muito.

Como se trata de uma doença nova, o conhecimento sobre a mesma ainda é reduzido. Os principais sintomas identificados são: tosse, febre, dificuldade para respirar. Alguns pacientes apresentam dores no corpo, coriza, dor de garganta e diarreia, podendo causar, ainda perda do olfato e do paladar. Uma parte dos pacientes desenvolve formas graves que exigem internação em CTI com acesso à ventilação mecânica para poderem respirar. Ainda não há vacinas ou medicamentos específicos para a Covid-19, o desenvolvimento dos mesmos está sendo realizado. Alguns laboratórios já desenvolveram produtos promissores, mas que ainda têm de passar por testes clínicos que demoram em torno de um ano, pelo menos, para serem concluídos. Por isso, o combate à doença depende de medidas de vigilância sanitária, como a limitação da circulação das pessoas para diminuir a transmissão da doença, isolamento dos pacientes, verificação de temperatura e testes diagnósticos para confirmação dos casos de infecção pelo coronavírus.

As medidas de controle sanitário variaram muito inicialmente de país para país. A Holanda e a Inglaterra, por exemplo, adotaram inicialmente a chamada “imunização de rebanho”, que permite a contaminação de grande parte das pessoas, na esperança de que a população desenvolvesse anticorpos em relação ao vírus. Nessa estratégia, o funcionamento das escolas é mantido para que as crianças se contaminem mais rapidamente e transmitam para seus parentes, exatamente como o presidente Jair Bolsonaro defendeu em 24 de março em pronunciamento nacional na televisão. O rápido desenvolvimento da doença nesses países e as críticas de que se trata de uma estratégia irresponsável que aposta com a vida de milhares de cidadãos, principalmente os mais pobres, obrigou os governantes a recuarem.

A China onde a epidemia se desenvolveu inicialmente de forma mais rápida, adotou uma estratégia radical e inédita de supressão da epidemia, que envolveu medidas diversas e foi altamente bem sucedida. Tais medidas envolveram: a construção em grande velocidade de hospitais para isolar os pacientes; à total paralisação das atividades produtivas e sociais com quarentena domiciliar para toda a população; treinamento e mobilização de profissionais de saúde, militares e voluntários para o controle da doença; desenvolvimento e produção em massa de testes rápidos; máscaras e outros equipamentos de proteção individual, como aventais e luvas; ventiladores mecânicos para os hospitais; e termômetros eletrônicos. As medidas envolveram, ainda, o desenvolvimento de sofisticados sistemas de informação em computadores e celulares para agilizar a notificação de casos, controle de deslocamentos de pessoas, além de desinfecção do dinheiro, calçadas e entradas de prédios públicos e residenciais. O governo chinês declarou uma “guerra popular”, com grande adesão da população seja no cumprimento da quarentena, seja em tarefas coletivas de controle, abastecimento, educação e desinfecção de ambientes. O grande sucesso da experiência chinesa que conseguiu limitar o surto basicamente à província de Hubei, onde fica Wuhan reduziu rapidamente o número de casos novos e mortes vem inspirando outros países. Na Ásia países muito menores seguiram estratégias similares à chinesa com medidas radicais, como a Coreia do Sul, Singapura e Taiwan.

No Brasil, enquanto os governadores e prefeitos vêm tomando medidas cada vez mais drásticas de redução da circulação de pessoas, o governo federal varia entre algumas medidas corretas tomadas pelo Ministério da Saúde e absurdas como a liberação de mais recursos para os planos privados de saúde que atendem menos de um em cada quatro brasileiros, do que para o Sistema Único de Saúde (SUS) que atende toda a população. O presidente Jair Bolsonaro continua a fazer intervenções disparatadas e irresponsáveis e juntamente com seu ministro Paulo Guedes prefere dar mais dinheiro para os bancos e autorizar que os patrões suspendam contratos de trabalho, ao invés de tomar medidas que protejam as pessoas. A falta de políticas de amparo aos desempregados, trabalhadores informais, pequenos camponeses, trabalhadores por conta própria, certamente levará dezenas de milhões de brasileiros a passarem fome e ficarem mais vulneráveis à doença.

A pandemia de Covid-19 ainda vem despertando disputas políticas em torno de uma série de temas, uma delas é a recente e acentuada queda das bolsas de valores na maior parte do mundo, que dá início a uma das mais sérias crises econômicas da história. Donald Trump e os grandes grupos de televisão e imprensa se apressaram a colocar a culpa na doença, embora diversos analista viessem chamando a atenção para um intenso e irracional processo de especulação sem qualquer base na economia real e que iria estourar mais cedo ou mais tarde. Aqui no Brasil, além da queda das bolsas o país está assistindo à uma enorme perda do valor do real diante do dólar, uma queda da atividade econômica e desemprego recordes, além da maior fuga de investimentos do país de toda sua história.

Outra controvérsia diz respeito ao país no qual o coronavírus se originou é controversa. No início do mês de dezembro de 2019 quando os primeiros casos surgiram em Wuhan, capital da província de Hubei, na China; o país prontamente tomou medidas rigorosas e decisivas no combate à doença e anunciou ao mundo o problema enfrentado. A primeira hipótese divulgada refere que a transmissão se daria em virtude do comércio de animais silvestres (hospedeiros do vírus) em mercados de Wuhan. Entretanto, a comunidade científica da China, com o objetivo de agilizar o tratamento e salvar vidas, passou a investigar minuciosamente os casos e reunir informações sobre os mesmos. O ponto chave para as pesquisas era descobrir o paciente zero, a primeira pessoa infectada; entretanto, a resposta para esse enigma ainda não foi encontrada.

No decorrer das investigações a probabilidade de que a doença pudesse ter se originado em outro local, aumentou. Com a análise detalhada de amostras das distintas variedades do vírus, coletadas em 12 países em quatro continentes; os chineses identificaram que o surto poderia ter começado muito antes. Eles levaram em consideração a realização dos Jogos Mundiais Militares de Wuhan, em novembro de 2019. É possível que a transmissão tenha ocorrido durante o evento. O principal especialista respiratório da China, Zhang Nanshan disse em 27/01/2020 que: Embora o Covid-19 tenha sido descoberto na China pela primeira vez, isso não significava que tivesse se originado na China.

O jornal japonês Asahi Shimbun apresentou, através de documentação científica, informações que se somam a hipótese chinesa. A mídia informou que 14 mil estadunidenses morreram vítimas de influenza em 2019, ao mesmo tempo, apontou as dificuldades do sistema de vigilância sanitária dos Estados Unidos, cujo sistema de notificações de doenças apresenta falhas. Quantas dessas mortes podem ter sido pelo coronavírus? Um médico de Taiwan também sugeriu que a origem da doença possa ser os Estados Unidos, apontando que existem cinco variedades de coronavírus e que a lógica básica é que a localização geográfica com maior diversidade de linhagens de vírus é o local onde a doença se origina. São os Estados Unidos o único país onde foram encontradas as cinco linhagens conhecidas do vírus, enquanto Wuhan e a maior parte da China possuem apenas uma.

Outros fatos alimentam tais suspeitas, iniciando pelo fechamento, em agosto de 2019, pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) do laboratório de pesquisa biológica do Exército estadunidense, Fort Detrick, em Maryland, por falta de condições de segurança adequadas (New York Times, 08/08/19), embora o artigo mencionado da revista Nature conteste a possibilidade de o coronavírus ter sido fabricado em laboratório. Logo após, em setembro, há notícias de infecção de cidadãos japoneses que visitaram o Havaí, e a internação de cinco atletas estrangeiros que estavam em Wuhan por ocasião dos Jogos Militares Mundiais realizados na cidade, sendo que havia uma delegação de 300 atletas dos EUA nos mesmos. Outra estranha coincidência, segundo o jornalista investigativo Pepe Escobar, foi a realização em 18 de outubro de 2019, em Nova Iorque, do Event 201, um ensaio-simulação para uma pandemia mundial causada por coronavírus.

A partir desses antecedentes, há especulações de diversas fontes e, mais recentemente pelo porta-voz do Ministério da Relações Exteriores da China Zhao Lijian de que o surto de coronavírus em Wuhan poderia ser fruto de uma possível guerra biológica movida pelos EUA contra a China. É bom lembrar, neste sentido que o Congresso estadunidense chegou a aprovar uma lei de direitos humanos e democracia em Hong Kong (Hong Kong Human Rights and Democracy Act), em outubro de 2019, além de continuar a acusar o governo chinês de desrespeito aos direitos humanos nas províncias de Xinjiang e do Tibet. O conflito ente os EUA e a China vem crescendo, tendo as tensões se acirrado recentemente depois que Donald Trump iniciou em março de 2018 uma guerra comercial com a China, elevando as tarifas de importação de produtos chineses.

O conflito tem suas raízes no rápido crescimento econômico chinês, desde as reformas econômicas dos anos 1980, tendo a economia chinesa ultrapassado a dos EUA em 2015 pelo critério da paridade do poder de compra da moeda, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto a China vem crescendo com base no aumento da produção de bens e da construção de uma moderníssima infraestrutura, os EUA vêm passando por um processo acelerado de desindustrialização, acompanhado pelo crescimento de um processo especulativo frenético de seu mercado financeiro, que já causou a crise mundial de 2008 e está por trás da atual crise das bolsas.

A China também tem enfrentado ataques sistemáticos vindos de autoridades e veículos da mídia, que em tons grosseiros e de intenso preconceito procuram culpar o país pela disseminação do vírus. Uma forma de desvalorizar e desmerecer, principalmente, a atuação eficiente no combate à doença; tentando ofuscar a atitude solidária diante da situação dramática de diversas nações para as quais enviou equipes de saúde e toneladas de equipamentos. A guerra também é ideológica, no dia 30/01/2020, Mike Pompeo, Secretário de Estado dos Estados Unidos chamou o Partido Comunista da China de “a ameaça central de nossos tempos”. Mas esqueceu de registrar o esforço de seu país, capitalista, em se apropriar de um projeto de vacinas contra o coronavírus desenvolvido por um laboratório da Alemanha. Tanto Pompeo, quanto Donald Trump chegam a chamar de “vírus Wuhan”, ou “vírus chinês” ao invés de SARS-Cov 2, destilando preconceitos de cunho racial.

Neste final de março, a população brasileira está enfrentando, de um lado, o veloz crescimento da doença e, de outro, o comportamento do governo que teima em não adotar medidas sanitárias e econômicas drásticas. Quanto mais Bolsonaro e Guedes insistem em defender os interesses dos ricos e dos patrões, mais vulnerável fica a situação dos trabalhadores e da população mais pobre, ameaçada pela falta de proteção adequada à sua saúde e às suas condições básicas de vida. A crise exige medidas radicais que garantam à população acesso à renda, à alimentação e aos cuidados de saúde, que este governo fascista e incompetente não quer e é incapaz de tomar.